STJ: Viúva tem o direito de receber uma renda vitalícia prevista em testamento antes do inventário



Sucessório ao assegurar a uma viúva o direito de receber uma renda vitalícia prevista em testamento, mesmo antes da conclusão do inventário.

Uma recente decisão da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) trouxe importante repercussão no campo do Direito Sucessório ao assegurar a uma viúva o direito de receber uma renda vitalícia prevista em testamento, mesmo antes da conclusão do inventário. A medida representa um avanço jurisprudencial ao admitir, em determinadas circunstâncias, a antecipação de legados de natureza alimentar.

De acordo com a advogada Aline Avelar, especialista em Direito de Família e Sucessões do escritório Lara Martins Advogados e Presidente da Comissão de Jurisprudência do IBDFAM-GO, a decisão flexibiliza o que dispõe o artigo 1.923 do Código Civil, que normalmente condiciona a exigibilidade de tais legados à entrega formal dos bens aos herdeiros.

 

Segundo ela, a posição do STJ evidencia a priorização da função assistencial do testamento, especialmente quando visa proteger indivíduos em situação de vulnerabilidade, como no caso analisado, uma viúva idosa e economicamente dependente do falecido. A Corte reconheceu a eficácia imediata da vontade do testador, valorizando o caráter protetivo da disposição testamentária.

 

A advogada explica que para que esse entendimento seja aplicado a outros casos, é necessário que estejam presentes elementos como a existência de legado expresso em testamento com natureza assistencial; dependência econômica efetiva do legatário em relação ao falecido; situação comprovada de vulnerabilidade, como idade avançada, invalidez ou ausência de renda; ausência de controvérsia relevante sobre a validade do testamento ou legitimidade do legatário; e disponibilidade de recursos no espólio que permitam o cumprimento do legado sem prejuízo aos demais herdeiros ou credores.

“Nesses casos, a partir da abertura da sucessão, momento da morte do testador, já é possível requerer o pagamento imediato do benefício, inclusive por meio de liminares fundamentadas no princípio da dignidade da pessoa humana.

Avelar esclarece que “ao reconhecer o direito ao cumprimento imediato do legado, o Judiciário impõe ao inventariante a obrigação de avaliar e viabilizar esse pagamento. A omissão ou resistência injustificada pode ensejar responsabilização judicial. Já os herdeiros devem respeitar a vontade do testador desde o início do processo, sob pena de violação ao artigo 1.857 do Código Civil e aos princípios da boa-fé objetiva e da função social do testamento. A recusa infundada pode motivar medidas judiciais como a antecipação de tutela ou ações de obrigação de fazer”, ressalta.

 

A decisão, conforme a advogada, abre um precedente importante e pode influenciar diretamente o planejamento sucessório e a forma como os testamentos são redigidos. “A orientação é que testadores utilizem cláusulas claras que expressem o desejo de cumprimento imediato dos legados assistenciais, como “desde a abertura da sucessão” ou “com eficácia independentemente da partilha”.

Também se reforça a importância de planejamento patrimonial com foco em garantir liquidez, além da adoção de estratégias complementares como seguros de vida, previdência privada e doações com reserva de usufruto, com o objetivo de assegurar o amparo de pessoas vulneráveis. “A nomeação de testamenteiros com poderes específicos para garantir a celeridade no cumprimento dessas disposições é igualmente recomendada”, aconselha a especialista.

Veja o acórdão:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVENTÁRIO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. VIOLAÇÃO AO ART. 1.022 DO CPC. AUSÊNCIA. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 489 E 494 DO CPC. INOCORRÊNCIA. LEGADO DE RENDA VITALÍCIA. TERMO INICIAL PARA EXIGIBILIDADE DO PAGAMENTO. ARTS. 1.923 E 1.926 DO CC. DATA DA ABERTURA DA SUCESSÃO.

I. Hipótese em exame 1. Ação de inventário, da qual foi extraído o recurso especial, interposto em 10/05/2024 e concluso ao gabinete em 06/11/2024.

II. Questão em discussão

2. O propósito recursal consiste em decidir se é possível exigir, aos herdeiros instituídos pelo testador, o pagamento de legado de renda vitalícia desde a abertura da sucessão, independentemente de conclusão do inventário.

III. Razões de decidir

3. Não há negativa de prestação jurisdicional quando o tribunal de origem examina, de forma fundamentada, a questão submetida à apreciação judicial e na medida necessária para o deslinde da controvérsia, ainda que em sentido contrário à pretensão da parte.

Precedentes.

4. É prerrogativa do testador a eleição pelo termo inicial do pagamento do legado de renda vitalícia. No seu silêncio, considerar-se-á o seu início a data da abertura da sucessão, nos termos do art. 1.926 do CC.

5. Em regra, caberá ao legatário pedir aos herdeiros o legado após o julgamento da partilha. No entanto, o legatário de renda vitalícia não pode ficar à mercê do encerramento do inventário, considerada a costumeira morosidade e litigiosidade características desses processos.

6. A interpretação sistemática do instituto do legado de renda vitalícia, dada sua natureza assistencial aproximada ao legado de alimentos, permite concluir que o cumprimento do encargo caberá ao onerado desde o falecimento do testador, na proporção de seu quinhão hereditário, independentemente de conclusão do processo de inventário.

7. No recurso sob julgamento, são premissas fáticas imutáveis que (I) o espólio é composto por vultoso patrimônio, consistindo em expressiva quantia de ativos financeiros, participações societárias, bens móveis e imóveis localizados no Brasil e no exterior; (II) a integralidade da parte disponível foi deixada às duas únicas filhas do de cujus, com dispensa de colação; (III) a viúva legatária conta com quase 78 anos, é do lar e dependia economicamente do falecido;

(IV) há intensa litigiosidade entre as herdeiras e a viúva.

8. Logo, na situação examinada, é forçoso reconhecer a possibilidade de pagamento imediato das prestações mensais instituídas pelo testador a título de renda vitalícia à legatária, devidas desde a abertura da sucessão, sendo despiciendo aguardar a conclusão do inventário.

9. Não se cogita de renúncia prevista no art. 1.913 do CC, uma vez que as herdeiras deixaram de cumprir com o legado de renda vitalícia em razão do acórdão do Tribunal de origem, que suspendeu o pagamento até a formalização da partilha de bens.

IV. Dispositivo 10. Recurso especial conhecido e provido, para o fim de determinar o imediato restabelecimento do pagamento das prestações mensais de legado vitalício à viúva, devidas desde o falecimento do testador, devendo referidas parcelas ser pagas pelas herdeiras nos termos como instituídos no testamento, independentemente de conclusão do inventário.

Dispositivos citados: arts. 1.022, 489 e 494 do CPC; arts. 1.913, 1.923 1.924, 1.926, 1.927, 1.934 do CC.

(REsp n. 2.163.919/PR, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 13/5/2025, DJEN de 19/5/2025.)

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