A Primeira
Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) manteve,
por unanimidade, a indenização por danos morais de R$ 28 mil a ser paga pelo
Estado de Pernambuco para um casal de motociclistas que foi abordado, de forma
truculenta e sem indícios de atividade ilícita ou suspeita, por uma dupla de
policiais militares na avenida Perimetral, no bairro de Jardim Brasil, na
periferia da cidade de Olinda. A mulher receberá indenização de R$ 15 mil
devido ao abuso de poder e a discriminações social e de gênero a que foi
submetida. O homem receberá indenização R$ 13 mil.
Com armas em
punho, os policiais militares abordaram o casal em frente a um motel, enquanto
decidiam se iriam entrar no estabelecimento no dia 19 de setembro de 2015, por
volta da 1h40. A mulher filmou parte da abordagem com o próprio celular e a
mídia foi usada como prova nos autos do processo nº 0001474-87.2015.8.17.2990.
O casal apresentou, durante a abordagem, os documentos de identificação e o
homem também apresentou a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e o documento
da moto.
Em julgamento
realizado no dia 10 de abril deste ano, o órgão colegiado confirmou, de forma
integral, a condenação por abuso de poder da PM estabelecida na sentença da
juíza Luciana Maranhão, da Primeira Vara da Fazenda Pública da Comarca de
Olinda e prolatada em 31 de outubro de 2021. No Segundo Grau, o relator da
apelação interposta pelo Estado é o desembargador Fernando Cerqueira Norberto
dos Santos. Participaram também do julgamento os outros integrantes da Primeira
Câmara de Direito Público, os desembargadores Jorge Américo Pereira de Lira e
Erik de Sousa Dantas Simões. O Estado de Pernambuco ainda pode recorrer da
decisão colegiada.
Para o
desembargador Fernando Cerqueira, a abordagem policial criou uma verdadeira
ofensa à dignidade do casal, além de exibir clara discriminação de gênero em
relação à mulher. “Não existe, nesse pensar, que não se falar na configuração
do dano extrapatrimonial no presente caso, posto que não se trata, apenas, de
fato de pequena inconveniência – normalmente suportáveis para a média das
pessoas -, mas que ultrapassa os limites razoáveis do desconforto. As partes
autoras se viram numa situação capaz de atestar verdadeira ofensa aos direitos
da personalidade da pessoa, como bastante para se deflagrar indenização a
título de danos morais. Ademais, como bem pontuado pelo Juízo a quo, ‘somado a
isso, vê-se também clara discriminação de gênero. A abordagem do casal, ora
demandante, foi realizada por dois policiais, ao que se vê homens cisgênero. A
autora tenta dialogar com os agentes de segurança, mas é extremamente
destratada com palavras de baixo calão e ameaças de agressão – inclusive
mandando-a se calar e afirmando que vai derrubá-la quando a autora começa a
gritar’. Nesse contexto, no que tange ao valor da indenização, face às
circunstâncias fáticas mencionadas e, sabendo-se que o valor a ser fixado deve
se limitar à compensação dos prejuízos advindos do evento danoso, e, outrossim,
capaz de obstar nova atitude ilícita, sem incorrer em enriquecimento sem causa,
não há que se falar em desproporcionalidade na fixação do quantum indenizatório
ao casal demandante”, escreveu no voto o desembargador, citando trecho da
sentença do Primeiro Grau.
Na sentença
escrita em 2021, a juíza Luciana Maranhão enfatizou que houve evidente excesso
dos meios empregados pelos policiais no momento da abordagem ao casal. “Houve
desproporcionalidade e inexistiu razoabilidade, especialmente diante da não
demonstração de conduta ilícita dos ora abordados, configurando abuso de poder.
Restou evidente a truculência na forma de exercer as suas funções, contrário à
ética destes profissionais, de acordo com previsão no Estatuto dos Policiais
Militares de Pernambuco (Lei Estadual nº 6.783, de 16 de outubro de 1974). (…)
Considerando a cognição fático-probatória, convencida da obrigação estatal
quanto à preservação da integridade física, psíquica e moral dos seus
administrados e da população em geral, vejo que o evento provocou danos morais
dos autores, haja vista ter perturbado o equilíbrio emocional e psíquico dos
demandantes, cuja violação causa indiscutíveis humilhações, vexames,
constrangimentos, frustrações, dor e outros sentimentos negativos, alterando a
sua integridade”, destacou Maranhão na decisão.
A magistrada
ainda observou que a conduta irregular da PM presente neste caso promoveu a
discriminação social sistematicamente vista nos espaços periféricos das
cidades, como atestam diversas ocorrências registradas em vídeos, na imprensa e
nas redes sociais. “Nesse caminho, cumpre salientar que o povo, esse desditoso
contribuinte e empregador do serviço público, nos últimos tempos vem assistindo
por meio de diversos vídeos gravados por celular ou câmeras de segurança, via
redes sociais e na imprensa, a exposição de ações discriminatórias sistêmicas,
além de violentas, perpetrada pela autoridade policial, especialmente no espaço
geográfico da periferia. Não que tal fato não ocorresse anteriormente aos
registros atuais. Ao contrário, essa violência é estruturante na nossa
sociedade pós-colonialismo vívido e decantada por uma política de estado
exceção, que se tornou regra, e, exatamente por isso, cada vez mais
normalizada. O estado de exceção na forma posta é fundamentalmente
antidemocrático, legitimando a insegurança, o medo e atingindo a população
subalternizada da periferia. Nesse sentido, percebe-se ictu oculi que ocorreu
abominável excesso da autoridade policial na condução da abordagem aos autores.
Pela mídia e documentação que acompanha a exordial observa-se que os
demandantes são pessoas do povo, comuns e da periferia do Município de
Olinda/PE. Certamente tal excesso na abordagem policial não seria perpetrado em
espaços geográficos considerados nobres”, analisou a juíza na sentença.
O acórdão da Primeira
Câmara de Direito Público e a sentença da Primeira Vara da Fazenda Pública da
Comarca de Olinda tiveram como base legal e jurídica a Constituição Federal de
1988, o Estatuto dos Policiais Militares de Pernambuco (Lei Estadual nº 6.783,
de 16 de outubro de 1974), o Código Civil de 2002, e a jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça (STJ), do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
(TJRJ) e do próprio TJPE. No acórdão da Primeira Câmara de Direito Público,
destaca-se a citação ao Recurso Especial n. 1.046.348/GO, de relatoria do
ministro do STJ, Napoleão Nunes Maia Filho, julgado na Primeira Turma em 26 de
agosto de 2019 e publicado no DJe do STJ no dia 28 de agosto de 2019.
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Texto: Bruno
Brito | Ascom TJPE
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