TJPE Fabricante e concessionária são condenadas por vício oculto em câmbio automático de veículo fora de garantia legal
A Quarta Câmara Cível do Tribunal
de Justiça de Pernambuco (TJPE) manteve, por unanimidade, a condenação de um
fabricante de veículos e de uma concessionária por vício oculto no câmbio
automático descoberto após o período de garantia legal de um carro modelo
Renault Duster, adquirido com zero quilômetro em 2011. O equipamento apresentou
defeito após 40 mil quilômetros rodados, quando deveria apresentar
funcionalidade superior a 100 mil quilômetros rodados. Além de custear o
conserto integral do veículo que ficou parado devido ao problema, as duas
empresas ainda deverão dividir os custos da indenização de R$ 10 mil a ser paga
à proprietária do veículo a título de danos morais.
O julgamento da apelação nº
0035487-04.2017.8.17.2001 aconteceu no dia 4 de abril. Na sessão, o relator,
desembargador Adalberto de Oliveira Melo, negou provimento aos recursos
interpostos pelas duas empresas e manteve a sentença da juíza de Direito Maria
do Rosário Monteiro Pimentel de Souza, da 24ª Vara Cível da Capital – Seção B.
“Em se tratando de bem durável, cujo consumo gera legítima expectativa de longo
período de uso, além da responsabilidade das fornecedoras de bem e serviço em
garantir adequação e segurança, segundo o que razoavelmente se pode esperar.
Responsabilidade objetiva e solidária das empresas fornecedoras e integrantes
da cadeia produtiva. Condenação ao reparo e pagamento de indenização moral
acolhidos em sentença”, escreveu no voto o magistrado, sendo seguido pelos
membros da Quarta Câmara Cível, os desembargadores Humberto Costa Vasconcelos
Júnior e Sílvio Romero Beltrão. A decisão colegiada ainda pode ser objeto de
novo recurso.
De acordo com os autos, o veículo
foi comprado em 30 de novembro de 2011, na concessionária com zero quilômetro e
5 anos de garantia legal. Inicialmente o carro apresentou defeito de trepidação
e ruídos no câmbio em 2014. Houve revisão do sistema no dia 07.10.2016, com
40.503 quilômetros rodados em 7 anos de uso, somente vindo a ser devolvido
quase 60 dias depois, em 20.12.16, sem resolução do problema, quando detectado
que não se conseguia passar as marchas. O concerto da peça teve orçamento
superior a R$ 10 mil. O veículo não apresentava sinais de mau uso; os cinco
pneus ainda eram originais e a quilometragem era baixa em relação à média de
usuários. O defeito no câmbio também não era comum em veículos com baixa
quilometragem e a cliente não habitava em local acidentado. O carro passou por
perícia técnica que atestou o vício oculto e descartou a hipótese de mau uso
e/ou culpa da consumidora.
No seu voto, o desembargador
Adalberto de Oliveira Melo esclareceu que, ao comprar um carro, o consumidor
tem a expectativa de usar cada peça presente no veículo no tempo de vida útil
estabelecido pelo fabricante e essa expectativa também deve ser cumprida pela
cadeia produtiva envolvida, de acordo com Jurisprudência do Superior Tribunal
de Justiça (STJ). O relator citou trecho do acórdão do Recurso especial (REsp)
nº 1661913/MG, de relatoria do ministro Luiz Felipe Salomão, julgado em 20 de
outubro de 2020: “A responsabilidade do fornecedor envolvendo a venda de
produto usado, nesse passo, há que conjugar os critérios da garantia de
utilização do bem segundo a funcionalidade do produto (análise do intervalo de
tempo mínimo no qual não se espera que haja deterioração do objeto) associado,
em se tratando de vício oculto, ao critério de vida útil do bem (a contar da
constatação do vício segundo o durabilidade variável de cada bem). Nessa
circunstância, a responsabilidade do fornecedor sobressai em razão do dever a
este inerente de inserir no mercado de consumo produto adequado ao seu uso,
ainda que segundo a sua própria qualidade de bem usado, por um prazo mínimo
para o seu uso, a ser aferido, em cada caso, segundo o critério de vida útil do
bem”.
Segundo o desembargador, o Código
de Defesa do Consumidor (CDC) também ampara essa legítima expectativa do
consumidor em relação ao tempo de vida útil dos bens, estendendo os prazos de
reclamação de vício oculto para além do prazo de garantia legal do produto. “No
sistema do CDC, a responsabilidade pela qualidade biparte-se na exigência de
adequação e segurança, segundo o que razoavelmente se pode esperar dos produtos
e serviços. Nesse contexto, fixa, de um lado, a responsabilidade pelo fato do
produto ou do serviço, que compreende os defeitos de segurança; e de outro, a
responsabilidade por vício do produto ou do serviço, que abrange os vícios por
inadequação. – Observada a classificação utilizada pelo CDC, um produto ou
serviço apresentará vício de adequação sempre que não corresponder à legítima
expectativa do consumidor quanto à sua utilização ou fruição, ou seja, quando a
desconformidade do produto ou do serviço comprometer a sua prestabilidade”,
afirmou o relator no voto.
Na sentença da 24ª Vara Cível da
Capital – Seção B prolatada em 19 de julho de 2022, a juíza Maria do Rosário
Monteiro Pimentel de Souza esclareceu que tanto a fabricante quanto a
concessionária respondem conjuntamente por eventuais defeitos surgidos no carro
novo comercializado, nos termos do artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor
(CDC). “Constatado que o veículo novo adquirido apresentou uma série de
defeitos ao tempo do seu uso, situação anormal e inesperada por quem adquire um
veículo zero quilômetro, cumpre reconhecer a presença do dano moral
indenizável, diante da frustração psicológica causada. A fixação do valor da
indenização deve ocorrer com o prudente arbítrio, de modo que, não seja
inexpressiva gerando a repetição de fatos, tais como, os narrados nos autos,
nem seja exorbitante ocasionando enriquecimento sem causa, em face do caráter
pedagógico dos danos morais”, escreveu a magistrada. A indenização de R$ 10 mil
por danos morais será corrigida monetariamente e acrescida de juros de mora na
base de 1% ao mês a partir da data da sentença.
Texto: Bruno Brito | Ascom TJPE
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