A possibilidade de a Justiça Eleitoral considerar ilegais os
gastos de candidatos com combustível, alimentação e hospedagem durante o
período de campanha custeados por verbas eleitorais tem gerado discussão e
preocupação no Tribunal Superior Eleitoral.
Marina Silva incluiu na prestação de contas da campanha de
2018 gastos que a lei eleitoral considera pessoais
O artigo 26, parágrafo 3º da Lei das Eleições (Lei
9.504/1997) diz que essas despesas, quando de natureza pessoal, não são
consideradas gastos eleitorais, nem se sujeitam à prestação de contas. A norma
foi reproduzida nas resoluções que o TSE editou para regulamentar a arrecadação
e gastos desde a eleição de 2018.
Como consequência, a Assessoria de Exame de Contas
Eleitorais e Partidárias (Asepa) do TSE tem destacado esses gastos como
irregulares na análise das prestações de contas enviadas pelos candidatos, com
recomendação de devolução ao Fundo Partidário.
Os ministros, no entanto, têm entendido que o objetivo do
legislador não foi exatamente vedar o uso de verbas de campanha, seja do Fundo
Eleitoral ou de recursos próprios, para custear combustível, alimentação e
hospedagem.
Em vez disso, buscou desburocratizar esses gastos se
custeados com recursos privados. Quando isso ocorre, não há necessidade de inclui-los
na documentação enviada ao tribunal. Por outro lado, se o custeio é feito com
verba de campanha, é primordial que seja incluída na prestação de contas.
O caso Marina Silva
Essa interpretação foi assentada em caso recente em que o
TSE aprovou as contas de Marina Silva (PV) na campanha presidencial de 2018.
Ela informou o custeio de hospedagens para si e seu vice, Eduardo Jorge, pagos
com recursos da campanha: R$ 1,4 mil do Fundo Partidário e outros R$ 14,3 mil
de recursos pessoais.
A defesa da candidata, feita pelo advogado Rafael Moreira
Mota, apontou que esses gastos foram feitos sob a perspectiva de legalidade,
não induzindo a rejeição das contas. Para a Asepa, eles são irregulares. O
Ministério Público Eleitoral concordou, assentando que "a lei veda o
pagamento de despesas pessoais dos candidatos com recursos da campanha, o que
inclui as verbas de todas as fontes".
Para o ministro Ricardo Lewandowski, TSE deve rever a
regulamentação existente
Relator, o ministro Ricardo Lewandowski explicou que não
existe vedação expressa quanto ao registro na prestação de contas daqueles
gastos ditos "de natureza pessoal". Assim, a regra do artigo 26,
parágrafo 3º da Lei das Eleições só incide nos casos que envolvam utilização de
recursos privados.
Por isso, afastou a irregularidade no emprego de R$ 1,4 mil
do Fundo Partidário, mas manteve a restrição no uso do restante da verba.
Diante dos demais questionamentos feitos no processo, que analisou o emprego de
R$ 8 milhões na campanha, as contas foram aprovadas com ressalva.
"É importante pontuar que os pequenos apontamentos
feitos pelo TSE, referentes a falhas materiais, não macularam a higidez da
prestação de contas, tendo sido preservada a publicidade dos gastos eleitorais,
necessária à fiscalização social", destacou o advogado da candidata.
"Mais uma vez, a Justiça Eleitoral cumpre a sua função de delinear o que é
correto."
Hora de rever
No mesmo voto, o ministro Ricardo Lewandowski ainda levantou
que o TSE deve rever a normatização que fez quanto aos gastos "pessoais do
candidato". A proposta é de fazer estudos para estudos para disciplinar e
regulamentar a regra do artigo 26, parágrafo 3º da Lei das Eleições, afim de
possibilitar o registro de tais gastos nas prestações de contas.
Em sua análise, não é razoável determinar que todos esses
gastos, em uma campanha presidencial com todos os compromissos e deslocamentos
necessários, sejam tidos como irregulares quando custeados pela campanha.
"Ponderando acerca do formato adotado para o
financiamento das campanhas eleitorais no Brasil e o custo de uma eleição
presidencial, a restrição para uso das verbas arrecadadas pode prejudicar
aquele candidato que se valha exclusivamente de dinheiro público para sua
campanha", opinou.
A consequência seria retirar da disputa os candidatos que
não tenham poder financeiro pessoal para pagar combustível, estadia e
alimentação. As eleições presidenciais seriam dominadas por "castas
sociais mais abastadas", segundo o ministro Lewandowski.
Por fim, essa postura levaria os diretórios partidários a
registrar tais gastos em suas prestações de contas anuais. Ou seja, eles só
seriam tornados públicos e analisados no ano seguinte ao das eleições, o que
prejudicaria a transparência e o controle social das contas de campanha.
"Reforço meu entendimento de não serem indevidos e
irregulares os registros e pagamentos, nas prestações de contas de campanha
eleitoral, daqueles gastos com hospedagens, alimentação, combustível e de
manutenção de veículos realizados por candidato à Presidente da República, inclusive
seu vice", disse o relator.
Para Ricardo Martins, sócio do Medeiros & Barros Correia
Advogados, a proposta de revisão é bem-vinda. "Impedir que os gastos com
hospedagem, alimentação, combustível do próprio candidato sejam pagos com
recursos do fundo vai de encontro à lógica democrática de permitir que todos,
independentemente de sua condição financeira pessoal, possam participar das
eleições, em iguais condições, além de incentivar a omissão de despesas de
campanha, comprometendo, dessa forma, a lisura da prestação de contas",
avaliou.
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PC 0601228-25.2018.6.00.0000
Por Danilo Vital
Via Conjur
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