O prêmio de loteria, recebido por ex-companheiro sexagenário, durante a
relação de união estável, deve ser objeto de meação entre o casal.
IO propósito recursal consiste em definir se, numa dissolução de união
estável de companheiro sexagenário, é necessário, para fins de partilha, a
prova do esforço comum, bem como se o prêmio de loteria, ganho no período da
relação conjugal, é comunicável ao parceiro. No caso em exame, a lide ganha
especial relevo por envolver sexagenário ao qual, por força do art. 258,
parágrafo único, inciso II, do Código Civil de 1916 (equivalente, em parte, ao
art. 1.641, inciso II, do Código Civil de 2002), era imposto o regime de
separação obrigatória de bens (recentemente, a Lei n. 12.344/2010 alterou a
redação do art. 1.641, II, do CC, modificando a idade protetiva de 60 para 70
anos). Nos ditames da súmula 377 do STF, aplicada ao caso em concreto, “no
regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do
casamento” e, por conseguinte, apenas os bens adquiridos na constância da união
estável devem ser amealhados pela companheira. A partir de uma interpretação
autêntica, percebe-se que o Pretório Excelso também estabeleceu que somente
mediante o esforço comum entre os cônjuges (no caso, companheiros) é que se
defere a comunicação dos bens, seja para o caso de regime legal ou convencional
(RTJ 47/614). Dessa forma, a ex-companheira fará jus à meação dos bens
adquiridos durante a união estável, desde que comprovado o esforço comum. No
entanto, em relação ao prêmio lotérico, por se tratar de bem comum, em regra,
ocorre sua comunicabilidade em favor do casal, sendo que tal benesse não se
confunde com as aquisições a título gratuito, por doação, herança ou legado,
que integram o patrimônio pessoal do donatário (CC, art. 1.659). A loteria
ingressa na comunhão sob a rubrica de “bens adquiridos por fato eventual, com
ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior” (CC/1916, art. 271, II;
CC/2002, art. 1.660, II). Com isso, no caso em que o prêmio de loteria foi
recebido por sexagenário durante relação de união estável, é de se observar que
este deve ser objeto de partilha com a ex-companheira pelas seguintes razões:
a) é bem comum que ingressa no patrimônio do casal, independentemente da
aferição do esforço de cada um, pouco importando se houve ou não despesa
do accipiens; b) o próprio legislador quem estabeleceu a referida
comunicabilidade; c) a comunicabilidade é a regra, que admite exceções, a
depender do regime de bens, sendo que aquele de separação legal do sexagenário
é diverso do regime de separação convencional; d) a partilha dos referidos
ganhos com a loteria não ofenderia o desiderato da lei, já que o prêmio foi
ganho durante a relação, não havendo falar em matrimônio realizado por
interesse ou em união meramente especulativa.
Veja o acórdão:
RECURSO ESPECIAL. DISSOLUÇÃO DE UNIÃO
ESTÁVEL. PARTILHA DE BENS. COMPANHEIRO SEXAGENÁRIO. SÚMULA 377 DO STF. BENS ADQUIRIDOS
NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL QUE DEVEM SER PARTILHADOS DE FORMA IGUALITÁRIA.
NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO ESFORÇO COMUM DOS COMPANHEIROS PARA LEGITIMAR A
DIVISÃO. PRÊMIO DE LOTERIA (LOTOMANIA). FATO EVENTUAL OCORRIDO NA CONSTÂNCIA DA
UNIÃO ESTÁVEL. NECESSIDADE DE MEAÇÃO.
1. Por força do art. 258, parágrafo único, inciso II, do Código Civil de 1916
(equivalente, em parte, ao art. 1.641, inciso II, do Código Civil de 2002), ao
casamento de sexagenário, se homem, ou cinquentenária, se mulher, é imposto o
regime de separação obrigatória de bens (recentemente, a Lei 12.344/2010
alterou a redação do art. 1.641, II, do CC, modificando a idade protetiva de 60
para 70 anos). Por esse motivo, às uniões estáveis é aplicável a mesma regra,
impondo-se seja observado o regime de separação obrigatória, sendo o homem
maior de sessenta anos ou a mulher maior de cinquenta. Precedentes.
2. A ratio legis foi a de proteger o idoso e seus herdeiros necessários dos
casamentos realizados por interesse estritamente econômico, evitando que este
seja o principal fator a mover o consorte para o enlace.
3. A Segunda Seção do STJ, seguindo a linha da Súmula n.º 377 do STF, pacificou
o entendimento de que “apenas os bens adquiridos onerosamente na constância da
união estável, e desde que comprovado o esforço comum na sua aquisição, devem
ser objeto de partilha” (EREsp 1171820/PR, Rel. Ministro Raul Araújo, Segunda
Seção, julgado em 26/08/2015, DJe 21/09/2015).
4. Nos termos da norma, o prêmio de loteria é bem comum que ingressa na
comunhão do casal sob a rubrica de “bens adquiridos por fato eventual, com ou
sem o concurso de trabalho ou despesa anterior” (CC/1916, art. 271, II;
CC/2002, art. 1.660, II).
5. Na hipótese, o prêmio da lotomania, recebido pelo ex-companheiro, sexagenário,
deve ser objeto de partilha, haja vista que: i) se trata de bem comum que
ingressa no patrimônio do casal, independentemente da aferição do esforço de
cada um; ii) foi o próprio legislador quem estabeleceu a referida
comunicabilidade;
iii) como se trata de regime obrigatório imposto pela norma, permitir a
comunhão dos aquestos acaba sendo a melhor forma de se realizar maior justiça
social e tratamento igualitário, tendo em vista que o referido regime não
adveio da vontade livre e expressa das partes; iv) a partilha dos referidos
ganhos com a loteria não ofenderia o desiderato da lei, já que o prêmio foi
ganho durante a relação, não havendo falar em matrimônio realizado por
interesse ou em união meramente especulativa.
6. Recurso especial parcialmente provido.
(REsp n. 1.689.152/SC, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma,
julgado em 24/10/2017, DJe de 22/11/2017.)
STJ
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