Conforme a jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça, a união estável pode ser reconhecida no
processo de inventário, desde que as provas sejam seguras e
suficientes para comprovar a convivência e não haja contrariedade no
reconhecimento do relacionamento pelos demais herdeiros.
Com esse entendimento, a 7ª
Vara Cível e Empresarial de Belém reconheceu uma mulher
como companheira de um homem falecido e a habilitou no processo de
inventário dos bens deixados por ele.
A mulher havia ajuizado ação de
inventário, mas os herdeiros pediram a invalidação da união estável alegada
pela autora e a nomeação da filha mais velha do homem como inventariante.
O processo, iniciado no cartório, de forma extrajudicial, foi remetido ao
Judiciário por falta de acordo entre as partes.
Os herdeiros alegaram que, no relacionamento
entre a autora e o falecido, não havia vontade de formar uma família nem
qualquer intenção relativa ao futuro. Tal tese é conhecida como “namoro
qualificado” e usada para desclassificar uma união estável.
Devido à controvérsia, o juiz
Roberto Cézar Oliveira Monteiro acatou o pedido dos herdeiros e recomendou que
a união estável fosse discutida em ação própria.
Retratação
Mais tarde, o magistrado analisou a documentação trazida aos autos e
alterou a decisão anterior. Ele levou em conta duas escrituras públicas: uma,
lavrada após o falecimento do homem, que atestava a união estável; e outra de
nomeação da autora como inventariante, na qual ela constava como convivente em
união estável.
Outros documentos considerados
foram: extratos de contas bancárias; boletos de IPTU; comprovante de
dependência em plano de saúde; uma sentença da Justiça Federal que homologou
acordo entre a autora e o INSS para concessão de pensão por morte;
e um contrato de compra de um automóvel que fazia parte do espólio
— assinado pela mulher e pelos demais herdeiros, no qual ela também
figurava como inventariante.
Os herdeiros apresentaram uma
escritura pública de revogação da nomeação da mulher como
inventariante. Monteiro considerou que a conduta seria contraditória, pois
a autora já havia sido reconhecida por eles como convivente do falecido, em
escritura lavrada em 2020. Segundo ele, uma parte não pode adotar “um
comportamento diverso daquele realizado anteriormente, em surpresa injusta à
outra parte”.
Na visão do juiz, a postura dos
herdeiros foi “no mínimo paradoxal”, pois em um primeiro momento atestaram a
união estável, mas, após o ajuizamento da ação, deixaram de reconhecer a autora
como companheira do falecido.
Eles argumentaram que, à época,
ainda estavam muito abalados com a perda do pai e, no calor da emoção, acabaram
assinando o ato que nomeou a autora como inventariante. O
magistrado observou que a justificativa “se limita a fatores emocionais e
em possíveis contendas pessoais com a requerente, as quais não constituem
fundamento idôneo para afastar presunções legais decorrentes de documentos
públicos”.
A advogada Jamille Saraty,
membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), atuou no
caso. Para ela, a decisão é um avanço para as “famílias informais”. Com
informações da assessoria de imprensa do IBDFAM.
Processo
0825654-27.2021.8.14.0301
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