A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
confirmou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que reconheceu a
legitimidade de terceiro para opor embargos contra a penhora de um imóvel
objeto de sucessivas cessões de direitos hereditários. Na época da cessão
original, segundo os autos, acreditava-se que as cedentes eram as únicas
sucessoras do falecido, mas, posteriormente, dois outros herdeiros foram
reconhecidos em investigação de paternidade e questionaram a negociação do
imóvel ainda não partilhado.
"Embora controvertida a matéria tanto na doutrina como
na jurisprudência dos tribunais, o fato de não ser a cessão de direitos
hereditários sobre bem individualizado eivada de nulidade, mas apenas ineficaz
em relação aos coerdeiros que com ela não anuíram, é o quanto basta para, na
via dos embargos de terceiro, assegurar à cessionária a manutenção de sua
posse", afirmou o relator do recurso especial, ministro Villas Bôas Cueva.
Os direitos hereditários sobre o imóvel foram cedidos a um
casal por duas herdeiras, mediante escritura pública firmada em 1997. Por meio
de instrumentos particulares, esses direitos foram transferidos do casal para
uma mulher, em 2000, e desta para a atual possuidora – autora dos embargos de
terceiro –, em 2005.
O inventário foi aberto em 1987, tendo como herdeiras apenas
as duas cedentes. Em 1992, duas pessoas ajuizaram ação de investigação de
paternidade, cuja procedência foi confirmada em segundo grau em agosto de 1997.
As partes foram intimadas do resultado em 1998.
Em 2002, um dos herdeiros reconhecidos posteriormente e o
espólio do outro ajuizaram ação de prestação de contas contra as duas primeiras
herdeiras, na qual as rés foram condenadas a pagar mais de R$ 2 milhões. A
penhora do imóvel objeto dos embargos de terceiro foi determinada nesse
processo.
Negócio válido
O juiz de primeiro grau julgou improcedentes os embargos de
terceiro, mas o TJSP reformou a sentença e levantou a penhora por entender que,
na época do negócio, as cedentes eram as únicas herdeiras do falecido e, nessa
condição, poderiam ter feito a cessão do imóvel, pois não haveria prejuízo a
outro herdeiro.
Para o TJSP, como não se sabia de outros herdeiros ao tempo
da cessão, o caso dos autos não caracteriza negócio jurídico nulo, mas, sim,
negócio jurídico válido, cuja eficácia em relação aos credores está sujeita ao
sistema legal relativo à solução de embargos de terceiro, em que se destaca a
proteção à boa-fé do adquirente e possuidor.
Por meio de recurso especial, o espólio do herdeiro
reconhecido tardiamente alegou que houve venda do imóvel – procedimento
distinto da cessão de direitos hereditários – antes da finalização da partilha,
sem autorização judicial e após o trânsito em julgado da sentença na ação de
investigação de paternidade.
Segundo o recorrente, a embargante dispensou a obtenção de
certidões que poderiam atestar a real situação do imóvel no momento em que
adquiriu os direitos sobre ele, as quais, inclusive, indicariam a existência de
ação em segredo de Justiça – como é o caso da investigação de paternidade.
Eficácia condicionada
O ministro Villas Bôas Cueva explicou que, nos termos do
artigo 1.791 do Código Civil de 2002, até a partilha, o direito dos coerdeiros
quanto à posse e à propriedade da herança é indivisível. Todavia, no mesmo
CC/2002, o artigo 1.793 estabelece que o direito à sucessão aberta, assim como
a parte na herança de que disponha o coerdeiro, pode ser objeto de cessão por
meio de escritura pública.
"No caso em apreço, não se operou a alienação do imóvel
penhorado, mas, sim, a cessão dos direitos hereditários que recaem sobre ele. A
questão, portanto, deve ser analisada sob a ótica da existência, da validade e
da eficácia do negócio jurídico", resumiu o ministro.
Com base na doutrina, Villas Bôas Cueva ressaltou que a
cessão de direitos sobre bem singular –
desde que celebrada por escritura pública e sem envolver direito de
incapazes – não é negócio jurídico nulo nem inválido, ficando a sua eficácia
condicionada à efetiva atribuição do bem ao herdeiro cedente no momento da
partilha.
Além disso, segundo o ministro, se o negócio for celebrado
pelo único herdeiro, ou havendo a concordância de todos os coerdeiros, a
transação é válida e eficaz desde o princípio, independentemente de autorização
judicial. Como consequência, se o negócio não é nulo, mas tem apenas a eficácia
suspensa, o relator apontou que a cessão de direitos hereditários sobre o bem
viabiliza a transmissão da posse, que pode ser defendida por meio de embargos
de terceiro.
Villas Bôas Cueva observou que, como estabelecido na Súmula
84 do STJ, admite-se a oposição de embargos de terceiro com base na alegação de
posse resultante de compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que sem
registro em cartório. Tal entendimento, segundo ele, "também deve ser
aplicado na hipótese em que a posse é defendida com base em instrumento público
de cessão de direitos hereditários".
Ação em segredo
Na hipótese dos autos, o relator enfatizou que a cessão
originária de direitos hereditários sobre o imóvel ocorreu mediante escritura
pública lavrada em janeiro de 1997, quando ainda estava pendente apelação no
processo de investigação de paternidade, a qual foi julgada apenas em agosto
daquele ano.
"Referida demanda, conforme admitido pelo próprio
recorrente, tramitou em segredo de Justiça, fato que, a despeito de não
inviabilizar por completo, dificulta sobremaneira o conhecimento acerca da
existência de demandas contra aquelas que aparentavam ser as únicas herdeiras,
notadamente se os autores da ação de investigação de paternidade não se
preocuparam em prenotar a existência da referida demanda nas matrículas dos
imóveis que integram o acervo dos bens deixados pelo falecido", concluiu o
ministro ao manter o acórdão do TJSP.
Leia o acórdão.
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Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):
REsp 1809548
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