STJ Para cessão de crédito em precatório, em regra, não há obrigatoriedade que se realize por escritura pública

 




Primeiramente, sobreleva ressaltar que, em regra, todo e qualquer crédito pode ser objeto de cessão de direito, salvo quando presentes algumas das vedações indicadas no art. 286 do Código Civil.

Também importa frisar que, conforme a jurisprudência desta Corte, “a forma do negócio jurídico é o modo pelo qual a vontade é exteriorizada. No ordenamento jurídico pátrio, vigora o princípio da liberdade de forma (art. 107 do CC/2002). Isto é, salvo quando a lei requerer expressamente forma especial, a declaração de vontade pode operar de forma expressa, tácita ou mesmo pelo silêncio (art. 111 do CC/2002)”, sendo certo, ademais, que “a exigência legal de forma especial é questão atinente ao plano da validade do negócio (art. 166, IV, do CC/2002)” (REsp 1.881.149/DF, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 10/6/2021).

Especificamente quanto à cessão de créditos, extrai-se do Código Civil que a necessidade de utilização de instrumento público – ou instrumento particular, revestido das solenidades previstas no art. 654, § 1º, do mesmo diploma substantivo – representa uma exceção à regra geral estabelecida em seu art. 107.

De ser ver, portanto, que a ressalva contida no art. 288 do Código Civil aplica-se tão somente à hipótese em que se pretenda fazer valer determinada cessão de crédito em relação à terceira pessoa, sendo inoponível tal condição de validade em face dos próprios cedente e cessionário.

O mesmo se diga em relação às disposições contidas na Lei Complementar Distrital n. 52/1997 no qual resta evidenciado que o legislador distrital claramente afastou a regra geral acerca da liberdade de forma a que alude o art. 107 do Código Civil, para fins de cessão de precatório, apenas em uma única hipótese: quando se objetivar a compensação de débitos de natureza tributária de competência do Distrito Federal.

Ora, uma vez que o art. 4º, V, da Lei Distrital n. 52/1997 se configura como sendo uma regra de natureza excepcional, impõe-se que sua interpretação deva ocorrer de forma restrita, conforme o clássico brocardo segundo o qual exceptiones sunt strictissimoe interpretationis (“interpretam-se as exceções estritissimamente”).

Acrescenta-se que para denegar a ordem mandamental, o Tribunal a quo fundamentou seu juízo em precedentes deste Superior, fazem remissão ao REsp 1.102.473/RS, julgado pela Corte Especial sob a sistemática dos recursos representativos de controvérsia repetitiva.

Cumpre, então, ressaltar que a incidental referência à expressão “escritura pública”, como contida na segunda tese fixada no precedente indicado, decorreu exclusivamente do fato de que, no caso daqueles autos, a cessão de crédito havia, sim, sido realizada por meio de forma pública, não sendo essa, contudo, a real questão dirimida no repetitivo em apreço.

Veja o acórdão:

PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CESSÃO DE PRECATÓRIO EM TRAMITAÇÃO NO TJDFT REALIZADA POR INSTRUMENTO PARTICULAR. POSSIBILIDADE. ESCRITURA PÚBLICA. EXIGÊNCIA RESTRITA À HIPÓTESE PREVISTA NO ART. 4º, V, DA LEI DISTRITAL N. 52/1997. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. TESE REPETITIVA FIRMADA NO RESP 1.102.473/RS QUE NÃO ESTABELECEU A OBRIGATORIEDADE DE A CESSÃO DE CRÉDITO CONSTANTE DE PRECATÓRIO SER REALIZADA POR ESCRITURA PÚBLICA. RECURSO PROVIDO. ORDEM CONCEDIDA.
1. Cuida-se de recurso em mandado de segurança interposto contra acórdão do TJDFT que denegou a segurança impetrada em desfavor do MM. Juiz de Direito da Coordenadoria de Conciliação de Precatórios, cuja autoridade, por reputar indispensável a apresentação do original ou da cópia autenticada da escritura pública de cessão de direitos creditícios, indeferiu pedido de habilitação do impetrante/cessionário no Precatório n. 2014.00.2.012612-8.
2. Segundo lição doutrinária de SÍLVIO RODRIGUES, a cessão de crédito pode ser conceituada como “[…] o negócio jurídico, em geral de caráter oneroso, através do qual o sujeito ativo de uma obrigação a transfere a terceiro, estranho ao negócio original, independentemente da anuência do devedor. O alienante toma o nome de cedente, o adquirente o de cessionário, e o devedor, sujeito passivo da obrigação, o de cedido” (Direito civil. 27. ed. São Paulo:
Saraiva, 1999, p. 291).
3. Nos termos do art. 286 do Código Civil, “O credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor; a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da obrigação”.
4. Conforme jurisprudência desta Corte, “a forma do negócio jurídico é o modo pelo qual a vontade é exteriorizada. No ordenamento jurídico pátrio, vigora o princípio da liberdade de forma (art. 107 do CC/02). Isto é, salvo quando a lei requerer expressamente forma especial, a declaração de vontade pode operar de forma expressa, tácita ou mesmo pelo silêncio (art. 111 do CC/02)”, sendo certo, ademais, que “a exigência legal de forma especial é questão atinente ao plano da validade do negócio (art. 166, IV, do CC/02)” (REsp 1.881.149/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe 10/6/2021).
5. A obrigatoriedade de que a cessão de créditos se dê por escritura pública representa uma exceção à regra geral estabelecida no art. 107 do Código Civil. Inteligência dos arts. 288 e 654, § 1º, do mesmo diploma substantivo.
6. A teor dos arts. 1º e 4º, V, da Lei Distrital 52/1997, a exigência de que a cessão de precatório seja realizada por instrumento público se aplica apenas a uma única hipótese, a saber:
quando se objetivar a compensação de débitos de natureza tributária de competência do Distrito Federal, o que não é o caso dos autos.
7. Uma vez que o art. 4º, V, da Lei Distrital 52/1997 se configura como sendo uma regra de natureza excepcional, impõe-se que sua interpretação deve se dar de forma restrita. Nesse sentido, desponta o seguinte e já longevo julgado: REsp 20.101/PR, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, DJ 22/6/1992.
8. A tese repetitiva firmada no REsp 1.102.473/RS (Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORTE ESPECIAL,  DJe 27/8/2012), mesmo porque não era esse o seu objeto de atenção, não estabeleceu compreensão de que a cessão de crédito constante de precatório deva se operar apenas por escritura pública.
9. Recurso em mandado de segurança conhecido e provido para reformar o acórdão recorrido, concedendo a segurança.
(RMS n. 67.005/DF, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 16/11/2021, DJe de 19/11/2021.)

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