STJ Desclassificação de Falsidade de Documento Público para Documento Particular - Consecutiva Prescrição
LEILA CXXXXXX alega ser vítima de
coação ilegal em decorrência de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do
Estado do Mato Grosso do Sul no Habeas Corpus
n. 0013045-68.2017.8.12.0001.
Consta dos autos que a recorrente
foi denunciada pela suposta prática do crime de falsidade ideológica em
documento público. A defesa busca o trancamento do processo penal com base em
três argumentos: inépcia da denúncia, prescrição da pretensão punitiva e
ausência de justa causa. Quanto à alegada prescrição, a defesa sustenta que os
documentos possuem natureza particular, sendo a pena máxima prevista para o
delito de 3 anos de reclusão, o que atrairia a incidência do prazo
prescricional de 8 anos, conforme o art. 109, IV, do Código Penal.
Argumenta que os recibos foram
emitidos pela Associação dos Profissionais de Educação Física de Mato Grosso do
Sul (APEF/MS), pessoa jurídica de direito privado, de modo que não configuram
documentos públicos. Afirma que, tendo os fatos ocorrido nos dias 2/5/2013 e
21/5/2013, e o recebimento da denúncia se dado apenas em 24/4/2024, estaria
configurada a prescrição da pretensão punitiva estatal. A defesa requer, assim,
a concessão da ordem para que seja declarada a extinção da punibilidade com o
reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva.
O Ministério Público Federal
opinou pelo não provimento do recurso ordinário (fls. 2.913-.2915).
Decido.
O Tribunal ao apreciar o pedido
de trancamento pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva assim se
manifestou (fls. 2866-2867, destaquei):
[...] Inicialmente, a alegada
prescrição não se verifica. Isso porque, de uma simples leitura da denúncia,
percebe-se que os documentos aos quais a exordial se reporta tratam-se de
documentos públicos, uma vez que os delitos teriam ocorrido no âmbito da
Fundação Municipal de Esportes (FUNESP), da qual a paciente era
Diretora-Presidente, envolvendo verbas destinada ao projeto “Geração de Campeões”,
portanto, verba pública. O art. 299 prevê pena de 1 a 5 anos se o documento é
público, e o parágrafo único ainda preceitua que se o agente é funcionário
público, a pena aumenta de sexta parte. Vejamos: [...] Logo, tem-se que a
prescrição, em abstrato, ocorreria com o decurso de 12 anos, a teor do que
prevê o art. 109, inciso III, do Código de Processo Penal. Ocorre que, no
presente caso, segundo a denúncia, os fatos imputados à paciente ocorreram nos
anos de novembro/2013 a março/2014, portanto, prescreveria, na melhor das
hipóteses, em novembro/2025. Contudo, a denúncia foi recebida em 26/4/2024 (p.
2816/2820), interrompendo-se o prazo prescricional. Não há, portanto, falar em
prescrição
A defesa, por sua vez, afirma que
os documentos indicados na denúncia têm natureza particular, sendo a pena
máxima prevista para o delito de 3 anos de reclusão, o que atrairia a
incidência do prazo prescricional de 8 anos, conforme o art. 109, IV, do Código
Penal. Sustenta que, segundo a acusação, os recibos foram emitidos pela
Associação dos Profissionais de Educação Física de Mato Grosso do Sul
(APEF/MS), pessoa jurídica de direito privado, de modo que não configuram
documentos públicos.
Para a correta solução da
controvérsia, impõe-se a análise da natureza jurídica dos documentos que
constituem o objeto material do crime imputado à paciente, pois tal
classificação determinará o quantum da pena máxima cominada ao delito e, por
conseguinte, o prazo prescricional aplicável. Assim, os documentos mencionados
pela acusação são recibos de pagamento emitidos pela Associação dos
Profissionais de Educação Física de Mato Grosso do Sul (fls. 60-61), e os
cheques a eles correspondentes (fls. 110-111), nos quais teriam sido inseridas
informações ideologicamente falsas por indução da paciente.
Os recibos não têm timbre ou
identificação de terem sido emitidos por órgão público, e possuem o seguinte
teor:
Eu, TIAGO XXXXXXX XXXXXX
declaro que recebi da Associação dos Profissionais de Educação Física de Mato
Grosso do Sul – APEFMS, a importância de R$ 1.150,00 (Hum mil cento e cinquenta
reais) aos serviços prestados como Monitor no Projeto Gerações de Campeões,
referente aos meses de março e abril". (Recibo 75/13 – fl. 60. Com data em
02 de maio de 2013). Eu, TIAGOXXXXXXX declaro que recebi da Associação dos
Profissionais de Educação Física de Mato Grosso do Sul – APEFMS, a importância
de R$ 1.000,00 (Hum mil reais) aos serviços prestados como Monitora no Projeto
Gerações de Campeões, referente ao mês de abril". (Recibo 33/13 – fl. 61.
Com data em 21 de maio de 2013). Da análise dos referidos recibos, e pelo teor
da acusação, presume-se que foram emitidos pela APEF/MS.
Embora se refiram a serviços
prestados em projeto financiado com recursos públicos, os documentos em si não
emanam da administração pública, mas sim de entidade privada. O Laudo Pericial
acostado aos autos esclarece que "não é possível constatar adulterações
documentais como, por exemplo: rasuras, emendas, decalque, montagens, nem
verificar certos aspectos do grafismo fundamentais ao exame grafotécnico",
sendo a falsidade relativa às assinaturas apostas nos referidos recibos (fls.
171-172).
A distinção entre documento
público e particular, para fins de tipificação penal, reside fundamentalmente
na sua fonte de emissão. Documento público é aquele elaborado por funcionário
público no exercício de suas funções, conforme previsão legal. Já o documento
particular é aquele emanado de pessoa ou entidade privada.
No caso concreto, os recibos que
teriam sido ideologicamente falsificados foram emitidos pela Associação dos
Profissionais de Educação Física de Mato Grosso do Sul, pessoa jurídica de
direito privado, caracterizando-se, portanto, como documentos particulares para
os fins penais, independentemente de seu posterior uso em prestação de contas
de projeto que pudesse envolver verbas públicas.
Nesse sentido, impõe-se
reconhecer que a falsidade ideológica imputada à paciente, por ter como objeto
material documentos de natureza particular, atrai a aplicação da pena de
reclusão de 1 a 3 anos prevista no preceito secundário do art. 299 do Código Penal.
Consequentemente, o prazo prescricional aplicável à espécie é de 8 anos, nos
termos do art. 109, IV, do Código Penal, que estabelece:
"Art. 109. A prescrição,
antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1º do
art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade
cominada ao crime, verificando-se: (...) IV - em oito anos, se o máximo da pena
é superior a dois anos e não excede a quatro; ".
Considerando que os fatos
delituosos haveriam ocorrido em 2/5/2013 e 21/5/2013, e o recebimento da
denúncia apenas em 24/4/2024, constata-se o transcurso de lapso temporal
superior a 8 anos entre a data dos fatos e o marco interruptivo da prescrição
(recebimento da denúncia), de modo a configurar-se, assim, a prescrição da
pretensão punitiva estatal. À vista do exposto, dou provimento ao recurso
ordinário para declarar a extinção da punibilidade da paciente Leila Cardoso
Machado, em relação ao crime de falsidade ideológica (art. 299, parágrafo
único, do Código Penal), com fundamento nos arts. 107, IV, e 109, IV, ambos do
Código Penal, em razão da prescrição da pretensão punitiva estatal.
Comunique-se às instâncias ordinárias, com urgência, para as providências
cabíveis. Publique-se e intimem-se.
Relator
ROGERIO SCHIETTI CRUZ
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