A Terceira Turma do Superior
Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, decidiu que, nas demandas sobre
indenização securitária, deve-se aplicar a regra geral de distribuição estática
do ônus da prova, recaindo sobre a seguradora o ônus de comprovar as causas
excludentes da cobertura.
Uma empresa de engenharia ajuizou
ação contra uma seguradora após ser negada a indenização pelo incêndio de um
guindaste na rodovia BR-316. O guindaste havia percorrido 870 quilômetros sem
problemas, mas, depois de uma parada para reabastecimento, foi detectada
contaminação no diesel. Após ficar dois dias parado, o guindaste voltou a
funcionar normalmente. No entanto, cerca de uma hora e meia após a retomada da
viagem, o equipamento pegou fogo e teve perda total.
Informada do sinistro, a
seguradora negou a indenização com base em duas justificativas: a existência de
cláusula que excluía a cobertura para equipamentos com placas para transitar em
vias públicas e a inexistência de causa externa para o incêndio. Insatisfeita,
a empresa ajuizou a ação, mas teve seu pedido indeferido nas instâncias
ordinárias. Em primeiro grau, prevaleceu a tese da exclusão de cobertura para
veículos licenciados para circulação. Já no Tribunal de Justiça de São Paulo
(TJSP), a seguradora obteve nova vitória, com o entendimento de que a falta de
prova de causa externa para o incêndio afastava a obrigação de indenizar.
No recurso ao STJ, a empresa
segurada contestou a decisão que lhe impôs o ônus de comprovar a causa externa
do incêndio, mesmo havendo relatório da fabricante atestando a impossibilidade
de identificar a causa exata devido à destruição total do equipamento.
Contrato tinha cláusulas
contraditórias
A ministra Nancy Andrighi,
relatora, observou que, conforme o artigo 765 do Código Civil (CC), o contrato
de seguro deve seguir o princípio da boa-fé, que exige que ambas as partes ajam
com veracidade e clareza durante a elaboração e execução do ajuste. Ela apontou
que a seguradora deve atender às justas expectativas do segurado em relação à
cobertura e às exclusões, assegurando a proteção do seu interesse legítimo, e
tais expectativas devem ser levadas em conta na interpretação das cláusulas
contratuais.
Segundo a relatora, a clara
definição da cobertura contratual é essencial para evitar a frustração das
expectativas do segurado e garantir que a seguradora assuma os riscos
predeterminados. Nesse contexto, Nancy Andrighi afirmou que as cláusulas
ambíguas ou contraditórias, comuns em contratos de adesão, devem ser
interpretadas de forma mais favorável ao segurado, como previsto no artigo 423
do CC.
“A primeira tese defensiva foi
expressamente rechaçada pelo acórdão recorrido, visto que subsistem cláusulas
contraditórias no contrato. Como consequência, aplicou-se a regra do artigo 423
do Código Civil, a fim de favorecer o aderente (segurado) nos contratos de
adesão”, disse.
Cabe à seguradora comprovar que a
causa do acidente não foi externa
A ministra também destacou que,
em demandas de indenização securitária nas quais não há partes vulneráveis nem
dificuldades excepcionais na obtenção de provas (parágrafos 1º e 3º do artigo
373 do Código de Processo Civil – CPC), deve-se aplicar a regra geral de
distribuição estática do ônus da prova, segundo a qual cabe ao autor provar os
fatos constitutivos de seu direito, enquanto ao réu compete demonstrar a
existência de fatos que impeçam, modifiquem ou extingam esse direito.
Para a relatora, embora o laudo
da fabricante não fosse conclusivo sobre a origem exata do fogo, ele indicou de
forma suficiente que o incêndio foi desencadeado por fatores externos – qual
seja, a manutenção corretiva realizada no guindaste. Com isso, de acordo com a
ministra, cabia à seguradora provar que o sinistro ocorreu por uma falha
interna do equipamento, o que não foi feito.
“Não é o segurado que deve
comprovar a origem externa do acidente, mas a seguradora que deve comprovar que
a causa do acidente não seria externa (ou seja, que o sinistro derivou de causa
interna), porque se trata de fato extintivo do direito do autor e, por isso, é
ônus imputado ao réu, nos termos do artigo 373, inciso II, do CPC”, concluiu ao
dar provimento ao recurso.
Leia o acórdão no REsp 2.150.776.
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