Para a Terceira Turma do Superior
Tribunal de Justiça (STJ), o sigilo sobre o nascimento e a entrega voluntária
da criança para adoção – um direito garantido à genitora pela Lei 13.509/2017,
que inseriu o artigo 19-A no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – pode
ser aplicado também em relação ao suposto pai e à família extensa do
recém-nascido. Com esse entendimento, os ministros deram provimento ao recurso
de uma mãe para permitir que seu filho seja encaminhado para adoção, conforme
sua vontade, sem consulta prévia aos parentes que, eventualmente, poderiam
manifestar interesse em ficar com ele.
O colegiado entendeu que o
direito da mãe biológica ao sigilo é fundamental para garantir sua segurança e
tranquilidade desde o pré-natal até o parto, protegendo o melhor interesse do
recém-nascido e assegurando o respeito à vida e à convivência familiar afetiva.
Em primeiro grau, o juízo
homologou a renúncia da mãe ao seu poder familiar e encaminhou o filho
recém-nascido para adoção, já que ela não queria que seus parentes fossem
consultados sobre o interesse em ficar com a criança, preferindo que tudo
permanecesse em sigilo. O Ministério Público recorreu, afirmando que, embora a
mãe biológica tenha pedido o sigilo, a família extensa deveria ser consultada
antes de qualquer decisão, em respeito ao direito do menor de conhecer e
conviver com seus parentes.
Ao revogar a decisão do juízo, o
Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) determinou que, antes do
encaminhamento da criança para adoção, fossem esgotadas todas as possibilidades
de sua inserção na família natural. O tribunal entendeu que a adoção é uma
medida excepcional e irrevogável, devendo ser aplicada apenas quando não há
alternativas dentro da família extensa, conforme os princípios de proteção
integral e prioridade absoluta previstos na Constituição Federal e no ECA.
Em nome da mãe do recém-nascido,
a Defensoria Pública recorreu ao STJ alegando que o direito ao sigilo deveria
ser estendido a todos os membros da família biológica e ao pai, conforme sua
vontade. Segundo o recurso, apenas quando não há solicitação de sigilo é que a
família extensa deve ser consultada sobre o interesse de ficar com a criança.
Sigilo oferece uma alternativa
mais segura e humanizada
O ministro Moura Ribeiro,
relator, destacou que a Lei 13.509/2017 introduziu no ECA o instituto da
“entrega voluntária”, previsto no artigo 19-A, permitindo que a gestante ou
parturiente, antes ou logo após o parto, opte por entregar judicialmente o
filho para adoção, sem exercer os direitos parentais.
Segundo o relator, essa nova
abordagem oferece uma alternativa mais segura e humanizada, voltada para a
proteção da vida digna do recém-nascido e para evitar práticas como o aborto
clandestino e o abandono irregular de crianças. O magistrado destacou que, antes
dessa inovação no ECA, o ordenamento jurídico exigia procedimentos complexos
para a entrega de crianças para adoção, como a identificação completa dos pais
e o reconhecimento de paternidade, o que muitas vezes levava ao abandono ilegal
para evitar constrangimentos ou até responsabilização criminal.
“O instituto agrega, ao mesmo
tempo, o indisponível direito à vida, à saúde e à dignidade do recém-nascido,
assim como o direito de liberdade da mãe”, disse Moura Ribeiro. Segundo ele, a
entrega da criança às autoridades e instituições competentes dará a ela a
chance de conviver com uma família substituta, e a genitora “terá a liberdade
de dispor do filho sem ser prejulgada, discriminada ou responsabilizada na
esfera criminal”.
Princípio do melhor interesse da
criança pode ser interpretado de diferentes formas
O ministro afirmou que o direito
da criança à convivência familiar, preferencialmente com a família natural, não
entra em conflito com a entrega voluntária para adoção, quando a mãe opta pelo
sigilo do nascimento. Ele ressaltou que, embora a adoção só deva ocorrer depois
de frustradas as tentativas de manter a criança na família natural, essa
solução nem sempre atende ao melhor interesse do menor, já que, muitas vezes,
ele enfrenta situações de abandono, agressões e abusos no ambiente familiar em
que nasceu, sendo necessária uma intervenção imediata para garantir o seu
bem-estar.
O ministro ponderou que o
operador do direito deve sempre ter em mente que a adoção visa assegurar o
direito fundamental à convivência familiar e comunitária, conforme estabelecido
na Constituição e no ECA. Dessa forma, segundo ele, o princípio do melhor
interesse da criança e do adolescente, por ser indeterminado, pode ser
interpretado de diferentes formas, dependendo da situação concreta.
O número deste processo não é
divulgado em razão de segredo judicial.
STJ
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