STJ Saúde cancelada: a jurisprudência do STJ sobre rescisão unilateral de planos de assistência médica
Nas últimas semanas, o Brasil se
viu em meio a uma discussão que atinge diretamente a vida, o bem-estar e o
planejamento de pessoas e famílias: o cancelamento unilateral de contratos de
planos de saúde.
De um lado, há denúncias de abuso
no encerramento, por parte das operadoras dos planos, de milhares de contratos,
prejudicando especialmente idosos e pessoas com necessidades especiais de
tratamento, como as portadoras de Transtorno do Espectro Autista (TEA), o que
gerou reações políticas – como a notificação de 20 operadoras pelo governo
federal e a discussão sobre a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI)
na Câmara dos Deputados.
As operadoras, por sua vez,
alegam dificuldades decorrentes do aumento dos custos de cobertura e do número
de fraudes e sinistros, mas acabaram anunciando um acordo para suspender
temporariamente o cancelamento dos planos.
Casos sobre a rescisão unilateral
de planos de saúde chegam diariamente ao Judiciário, envolvendo controvérsias
sobre legalidade, requisitos e efeitos da medida. No âmbito do Superior
Tribunal de Justiça (STJ), já foram estabelecidos diversos precedentes
importantes sobre o tema, tanto em relação aos planos individuais ou familiares
– aqueles em que há adesão direta dos particulares – quanto aos planos
coletivos – nos quais há intermediação da contratação, normalmente pelo
empregador ou por uma entidade de classe.
Rescisão unilateral de plano
individual ou familiar exige fraude ou inadimplência
No tocante aos planos individuais
e familiares, a possibilidade de rescisão unilateral pela operadora está
relacionada a algum descumprimento contratual por parte do beneficiário. Isso
porque a Lei
9.656/1998, em seu artigo 13, parágrafo único, inciso II, proíbe a
suspensão ou a rescisão unilateral de plano de saúde individual, salvo por
fraude ou não pagamento da mensalidade por mais de 60 dias, consecutivos ou
não, nos últimos 12 meses de vigência do contrato – desde que o consumidor seja
notificado até o quinquagésimo dia da inadimplência.
Conforme indicado no AREsp
1.721.518, essa limitação à rescisão unilateral dos planos individuais
também alcança as modalidades familiares de contratação.
Por outro lado, o STJ entende
que, por falta de previsão legal, o impedimento à rescisão unilateral e
imotivada de contratos não se aplica aos planos coletivos, tendo incidência,
portanto, apenas nos tipos individuais e familiares (REsp
1.346.495). De toda forma, o cancelamento imotivado do contrato coletivo só
pode ocorrer após a vigência mínima de 12 meses e mediante a prévia notificação
dos usuários, com antecedência mínima de 60 dias (REsp
1.698.571).
Cancelamento por falta de
pagamento dispensa ação na Justiça
Nas hipóteses autorizadas pela
Lei 9.656/1998 para cancelamento do plano individual por inadimplência, a
rescisão unilateral independe de ação judicial, conforme decidido pela Quarta
Turma no REsp
957.900, mas é necessária a comunicação prévia ao titular do plano de
saúde. Embora a legislação não exija, de maneira expressa, a notificação
pessoal do interessado, é necessária ao menos a comunicação pela via postal,
com aviso de recebimento, direcionada ao endereço do contratante (REsp
1.995.100).
No processo analisado, contudo,
os ministros da Terceira Turma consideraram contraditório o comportamento da
operadora ao renegociar a dívida do titular do plano após notificá-lo sobre a
rescisão. Isso levou o colegiado a determinar que a operadora mantivesse o
plano do beneficiário.
"A conduta de renegociar a
dívida do titular do plano de saúde e, após notificá-lo da rescisão do
contrato, receber o pagamento da mensalidade seguinte, constitui comportamento
contraditório da operadora – ofensivo, portanto, à boa-fé objetiva –
por ser incompatível com a vontade de extinguir o vínculo contratual, criando,
no beneficiário, a legítima expectativa de sua manutenção", afirmou a
ministra Nancy Andrighi.
Beneficiário também
deve notificar operadora sobre interesse no cancelamento
Se as operadoras têm o dever de
notificar previamente o usuário sobre o cancelamento do plano, o mesmo deve ser
dito do beneficiário que deseja encerrar o contrato. Esse foi o entendimento da
Terceira Turma no REsp
1.595.897, no qual o colegiado afastou a presunção de que o beneficiário
pretendesse rescindir o plano apenas porque mudou de endereço e deixou de pagar
algumas mensalidades.
Se, de um lado, é exigida da
operadora a notificação prévia do usuário inadimplente, também deve ser exigido
do usuário que não tem mais interesse na prestação do serviço que manifeste de
forma inequívoca sua vontade de rescindir o contrato.
REsp 1.595.897
Ministro Ricardo Villas Bôas
Cueva
Segundo o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, relator, a comunicação de mudança
de endereço – mesmo que para cidade não abrangida pelo plano de saúde – não tem
o poder de gerar a rescisão contratual, pois não implica a conclusão de que os
serviços não serão mais utilizados pelo beneficiário. Da mesma forma, o relator
apontou que a contratação de novo plano também não resulta, de maneira
automática, no cancelamento do plano anterior, pois os contratos constituem
negócios jurídicos autônomos.
Mesmo no caso de rescisão
legal, plano deve manter cobertura durante tratamento
No Tema
Repetitivo 1.082, a Segunda Seção estabeleceu a tese de que, ainda que a
operadora exerça regularmente o direito à rescisão de plano coletivo, ela deve
garantir a continuidade da cobertura ao beneficiário que esteja internado ou em
tratamento, até a efetiva alta, desde que o titular também mantenha o pagamento
das mensalidades (REsp
1.842.751).
Embora a tese tenha sido voltada
para os casos de planos de saúde coletivos, o STJ já aplicou o mesmo
entendimento aos contratos individuais e familiares (como no REsp
1.981.744 e no REsp
2.073.352, ambos da Quarta Turma).
Essa ideia de manutenção da
cobertura do plano de saúde rescindido ao beneficiário em tratamento também foi
aplicada pelo STJ à hipótese de beneficiária gestante. No AREsp
2.323.915, decidiu-se que, durante o período de gestação, o
cancelamento do plano coletivo representaria prática abusiva, com possibilidade
de risco imediato à vida e à saúde tanto da mãe quanto do bebê.
Outra limitação à rescisão
unilateral de plano coletivo ocorre nos contratos empresariais com menos de 30
beneficiários, situação em que a rescisão deve ser devidamente justificada.
No EREsp
1.692.594, o ministro Marco Aurélio Bellizze comentou que os planos desse
tipo são considerados mais vulneráveis do que os contratos coletivos
tradicionais, pois os contratantes têm menos poder de negociação com a
operadora.
Em razão disso, apontou o
relator, é que a rescisão, embora possível, deve ser fundamentada, como forma
de se evitarem abusos.
Não se pode transmudar o contrato
coletivo empresarial com poucos beneficiários em plano familiar, a fim de se
aplicar a vedação do artigo 13, parágrafo único, inciso II, da Lei 9.656/1998,
porém, a rescisão deve ser devidamente motivada, incidindo a legislação
consumerista.
EREsp 1.692.594
Ministro Marco Aurélio Bellizze
O tema, porém, deve voltar a ser debatido pela Segunda Seção: há recurso repetitivo destinado
a definir a validade da cláusula contratual que prevê a rescisão unilateral,
independentemente de motivação, dos planos de saúde empresariais com menos de
30 beneficiários (Tema
1.047).
Beneficiário de plano
cancelado pode migrar para plano individual, se houver
Quando ocorre o cancelamento do
plano coletivo por adesão, o STJ considera que o beneficiário tem legitimidade para
questionar a rescisão unilateral feita pela operadora (REsp
1.705.311). A empresa prestadora do plano de saúde, por outro lado, é parte
legítima para responder à ação de indenização movida por beneficiário em razão
de contrato coletivo rescindido (AREsp
239.437).
O beneficiário, segundo o STJ,
também tem direito à migração para plano individual ou familiar, casos eles
sejam comercializados pela operadora. Nesses casos, a transferência deve ser
realizada sem o cumprimento de novos prazos de carência, desde que o
beneficiário aceite se submeter às novas regras e aos custos da adesão ao novo
plano (REsp
1.884.465).
Por outro lado, no REsp
1.924.526, a Terceira Turma destacou que não é possível obrigar a operadora
que comercializa apenas planos coletivos a oferecer plano individual aos
beneficiários de contrato cancelado, ainda que essas pessoas sejam idosas e,
portanto, hipervulneráveis.
"Nas situações de denúncia unilateral
do contrato de plano de saúde coletivo empresarial, é recomendável ao
empregador promover a pactuação de nova avença com outra operadora, evitando-se
prejuízos aos seus empregados (ativos e inativos), que não precisarão se
socorrer da portabilidade ou da migração a planos individuais, de custos mais
elevados", declarou a ministra Nancy Andrighi.
Esta notícia refere-se
ao(s) processo(s):AREsp 1721518REsp 1346495REsp 1698571REsp 957900REsp 1995100REsp 1595897REsp 1842751REsp 1981744REsp 2073352AREsp 2323915EREsp 1692594REsp 1705311AREsp 239437REsp 1884465REsp 1924526
Voltar
para o início da notícia
Saiba o significado de termos
publicados nesta notícia:
1.
1º termo - Boa-fé objetiva: Conduta ética
nas relações contratuais, aferida a partir de um padrão de comportamento
caracterizado por lealdade e consideração com os interesses da outra parte.
2.
2º termo - Repetitivo: Recurso repetitivo é
um recurso escolhido para ser julgado como representativo de uma questão
jurídica presente em muitos outros processos, para que a tese fixada pelo
tribunal seja aplicada na solução dos casos semelhantes em todo o país.
3.
3º termo - Legitimidade: Condição jurídica
que permite que alguém seja autor (legitimidade ativa) ou réu (legitimidade
passiva) em um processo judicial, ou pratique algum ato processual.
Fim do significado dos termos
apresentados.
Comentários
Postar um comentário