A falecida foi contratada pelo
Município de Belo Horizonte, após aprovação em concurso público, em abril de
2008, para trabalhar como agente comunitária de saúde. Em fevereiro de 2021,
foi afastada do serviço por ter contraído a Covid-19. Apenas 16 dias depois,
morreu em decorrência da doença. Contava com 42 anos de idade, deixou viúvo e
dois filhos, um deles menor.
O juiz Walace Heleno Miranda de
Alvarenga, no período em que atuou na 19ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte,
foi o responsável pelo julgamento da ação trabalhista ajuizada pelos herdeiros
da falecida contra o Município de Belo Horizonte. Na sentença, o magistrado
reconheceu a existência de doença ocupacional e a responsabilidade civil
objetiva do empregador pelo ocorrido com a empregada. Entendeu que o município
foi negligente na adoção das normas de segurança e medicina do trabalho,
principalmente tendo em vista que a agente comunitária de saúde era diabética e
não foi afastada de suas atividades durante a pandemia do coronavírus.
Na decisão de primeiro grau, o
município foi condenado a pagar a cada um dos herdeiros indenização por danos
morais de R$ 100 mil (perfazendo R$ 300 mil), além de indenização por danos
materiais, na forma de pensão mensal, no valor de R$ 1.474,77, a ser dividida
entre eles, quantia correspondente a 2/3 do último salário da falecida (de R$
2.212,16 mensais). Em grau de recurso, os julgadores da Oitava Turma do TRT-MG
aumentaram o valor da indenização para R$ 250 mil para cada um: o viúvo e os
dois filhos, totalizando R$ 750 mil.
Defesa do município
O réu sustentou a impossibilidade
de se afirmar que a doença tenha sido contraída pela ex-empregada durante a
realização de suas atividades de agente comunitária de saúde. Argumentou que
não houve culpa/negligência de sua parte e que adotou todas as medidas e
cuidados para evitar a contaminação e a disseminação da Covid-19 durante o contrato
de trabalho. Alegou não ser o caso de incidência da responsabilidade objetiva
do empregador.
Doença ocupacional
No exercício de suas atividades
como agente comunitária de saúde, a falecida atuava de forma direta no
enfrentamento e atendimento de pacientes acometidos por Covid-19. Em 6/2/2021,
ela foi afastada do trabalho por ter contraído a Covid-19. O óbito ocorreu em
22/2/2021. Comunicação de acidente de trabalho (CAT) emitida pelo próprio
município identificou como doença profissional a patologia que causou a morte
da trabalhadora.
Na conclusão do juiz, a doença
que vitimou a empregada (Covid-19) se amolda integralmente ao conceito legal de
doença ocupacional. Ao formar sua convicção, o magistrado se baseou no artigo
20 da Lei 8.213/1991, que considera acidente do trabalho as seguintes entidades
mórbidas: “I – doença profissional, assim entendida a produzida ou
desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e
constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da
Previdência Social; II – doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou
desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e
com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I”.
O entendimento adotado pelo
magistrado também levou em conta o disposto no parágrafo 1º, alínea “d” da
mesma norma legal, que não considera como doença do trabalho a “doença
endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se
desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou
contato direto determinado pela natureza do trabalho”, como
ocorrido no caso.
Responsabilidade civil
objetiva
Na decisão, foi ressaltado que,
pela teoria da responsabilidade civil subjetiva, nos termos dos artigos 186 e
927, do Código Civil, o dever jurídico de indenizar exige a presença dos
seguintes elementos: o ato ilícito omissivo ou comissivo, culposo ou doloso, o
nexo de causalidade e o dano.
Registrou-se que há ainda a
teoria da responsabilidade civil objetiva, prevista no artigo 927, parágrafo
único, do Código Civil, quando o dever de indenizar incide sem a necessidade do
elemento subjetivo culpa. Essa modalidade de responsabilidade ocorre nas
hipóteses legalmente previstas, ou quando a atividade do agente causador do
dano implicar risco à vítima. De acordo com o magistrado, essa situação se
verificou no caso, tendo em vista que as atividades de agente comunitária de
saúde, que a falecida exercia em prol do município, são consideradas de risco,
por natureza, diante da necessidade do contato direto com pessoas contaminadas
com o coronavírus, sendo evidente o perigo de contágio, especialmente no
período da pandemia.
Constitucionalidade
Segundo o pontuado na sentença, o
Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 828040, com repercussão geral
reconhecida, decidiu que o trabalhador que atua em atividade de risco tem
direito à indenização em razão de danos decorrentes de acidente de trabalho, independentemente
da comprovação de culpa ou dolo do empregador. “Assim, a Corte Suprema
assentou ser constitucional a imputação da responsabilidade civil objetiva do
empregador por danos decorrentes de acidentes de trabalho em atividades de
risco”, destacou o magistrado.
Risco inerente à atividade
Conforme ponderou o julgador, a
responsabilidade objetiva exige, para sua incidência, que o risco causador do
dano seja uma circunstância inerente à atividade empreendida pelo tomador da
mão de obra, como no caso. Citou, no aspecto, a doutrina do desembargador do
TRT-MG, Sebastião Geraldo Oliveira: “não é necessário que haja
comportamento anormal ou ilícito do empregador para gerar o direito à
indenização, pois o simples exercício da sua atividade rotineira, ainda que
normalmente desenvolvida, pode acarretar o direito à indenização, caso tenha
provocado danos à vítima”. (OLIVEIRA, Sebastião Geraldo.
Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional, São Paulo: Ed.
LTR, 2014 – pág. 135).
Coronavírus
Sobre o coronavírus, o magistrado
ressaltou que é fato cientificamente comprovado, além de amplamente divulgado,
que se trata de um agente viral de rápida transmissão e mutabilidade, que não
escolhe quem contamina, e que tem a capacidade de produzir efeitos nocivos à
saúde e levar a óbito qualquer ser humano, sem distinção.
“Qualquer ambiente que vier a
ser periciado, em qualquer momento, desde que por ele circulem pessoas
contaminadas, com ou sem sintomas, pode apresentar condições que destaquem a
presença do agente viral em determinado momento, e a sua ausência no momento
seguinte. E isso é tão evidente que o coronavírus transformou-se em pandemia”, destacou
Miranda.
Para o juiz, não houve dúvida de
que a ex-empregada atuava de forma direta no enfrentamento do coronavírus e no
atendimento de pacientes acometidos por Covid-19. O fato, além de demonstrado
por documentos apresentados no processo, foi confirmado pelo próprio município,
que informou que a manutenção de agentes comunitários de saúde no exercício de
suas funções era necessária ao cumprimento do “relevante papel de levar
informações à população sobre medidas preventivas (…), evitando assim risco de
maior número de infecções”.
Covid-19 X Doença ocupacional
Sobre a possibilidade de se
considerar a existência de nexo causal entre a Covid-19 e o trabalho
desempenhado, foi pontuado que o Supremo Tribunal Federal, em controle
concentrado de constitucionalidade que realizou sobre o artigo 29, da MP
927/2020, entendeu que o dispositivo legal, ao excluir, como regra, a
contaminação pelo coronavírus da lista de doenças ocupacionais, transferindo o
ônus da comprovação ao empregado, contrariou entendimento do STF em relação à
responsabilidade objetiva do empregador em alguns casos (ADI’s 6342 e 6380).
Comorbidades – Prova –
Autodeclaração X Atestado médico
Conforme esclareceu o magistrado,
decisão proferida na Ação Civil Pública 0010253-77.2020.5.03.0021
determinou “o afastamento, mediante autodeclaração, dos
agentes comunitários de saúde acometidos de doenças que possam agravar seu
estado pelo contágio do Covid-19, tais como diabéticos, diagnosticados de
pneumopatia e doenças neurológicas, problemas renais, obesidade, asmas e outras
comorbidades”.
Decisão que julgou o Mandado de
Segurança 0010656-12.2020.5.03.0000O manteve o afastamento das pessoas
inseridas no grupo de risco para a Covid-19. Entretanto, determinou que a
existência da comorbidade, inclusive para os agentes comunitários de saúde,
fosse comprovada por relatório ou atestado médico, e não por autodeclaração.
Comorbidade da empregada – Ciência
do empregador
No caso, ficou provado por
atestado médico que a ex-empregada era portadora de diabetes do tipo 2, fazendo
uso contínuo de insulina. Embora ela não tenha apresentado o atestado/relatório
médico comprovando a situação, na análise do juiz, não houve dúvida de que o
empregador tinha conhecimento da comorbidade da falecida, principalmente por
ela ter realizado o tratamento e recebido a prescrição da medicação na própria
unidade de saúde em que trabalhava, conforme comprovado por documentos.
“Isso demonstra que o
Município reclamado tinha evidente conhecimento acerca da doença da empregada
falecida, de modo que, por ser seu dever manter um meio ambiente de trabalho
hígido e equilibrado (art. 19, § 1º, da lei 8.213/91), preservando a
integridade física e a saúde de seus trabalhadores, o que mínima e
razoavelmente se esperava era a sua própria iniciativa de afastamento da
empregada”, destacou o juiz, observando que, entretanto, a esperada conduta
do empregador não ocorreu.
Laudo pericial – Necessidade
de afastamento do serviço
Laudo pericial provou que houve a
infecção por Covid-19, com necessidade de tratamento hospitalar que evoluiu
para o óbito da agente comunitária de saúde. Sobre a agressividade do
coronavírus no corpo humano, o perito esclareceu que a patologia que acometia a
ex-empregada – “diabetes mellitus” – representa um risco adicional de morte.
Além disso, registrou que houve a comprovação do diagnóstico da patologia que
determinava a necessidade de afastamento do trabalho.
O réu juntou parecer de
assistente técnico afirmando que não houve prova de que a falecida solicitou o
afastamento do trabalho e que, se ela o tivesse feito, teria sido afastada. A
afirmação causou estranheza ao juiz, por induzir à conclusão de que, sob a
ótica do empregador, a responsabilidade pelo próprio óbito foi da ex-empregada,
que não cumpriu uma formalidade burocrática de autodeclaração da comorbidade
que possuía. Como frisou o magistrado, o município tinha conhecimento do quadro
de saúde da falecida, que era sua empregada desde 2008 e ainda tratava da
diabetes na própria instituição de saúde em que trabalhava. Para o julgador, a
justificativa apresentada pelo réu indica desprezo pelo quadro clínico de seus
empregados ou, no mínimo, desorganização quanto ao controle das informações
específicas de seus trabalhadores.
Nexo de causalidade
A sentença concluiu pela
existência do nexo causal entre o trabalho e a doença contraída pela
ex-empregada, que conduziu ao falecimento dela, bem como pela responsabilidade
civil do município pelo ressarcimento dos danos sofridos pelos autores.
Incidiu, no caso, a responsabilidade civil objetiva do empregador, que dispensa
a configuração de culpa na ocorrência do evento danoso.
Embora o laudo pericial não tenha
concluído de modo categórico pela caracterização do nexo de causalidade entre a
atividade da agente comunitária de saúde e a doença da Covid-19 que a levou ao
óbito, foi ressaltado na decisão que, nos termos do artigo 479 do CPC/2015, o
juiz não está adstrito às conclusões da perícia, cuja função é apenas auxiliar
o julgador na apuração e esclarecimento de matéria que exija conhecimentos
técnicos especiais. “Por isso mesmo, o juízo, sendo livre na formação
do seu convencimento, poderá decidir de forma contrária”, destacou o
Miranda.
Ficou esclarecido ainda que o
nexo de causalidade entre a Covid-19 e o trabalho desempenhado poderá ocorrer
de forma objetiva, ou seja, por previsão expressa em lei, ou quando a
atividade, por sua natureza, apresentar exposição habitual a risco especial
maior. Para o julgador, esse era o caso das atividades exercidas pela agente
comunitária de saúde, consideradas de risco por natureza, porque implicava
contato direto e habitual com pessoas contaminadas com o coronavírus. “O
nexo de causalidade entre a atividade exercida pela obreira e a contaminação
por Covid-19 também se faz presente, sobretudo pelo fato de restar provado que
a comorbidade que a falecida possuía (diabetes) era sim de conhecimento da
parte reclamada”, destacou ainda o julgador.
O entendimento sobre a existência
do nexo de causalidade também se baseou no artigo 2º, parágrafo 1º, da Lei
14.128/2021, que assim dispõe: “Presume-se a Covid-19 como causa da
incapacidade permanente para o trabalho ou óbito, mesmo que não tenha sido a
causa única, principal ou imediata, desde que mantido o nexo temporal entre a
data de início da doença e a ocorrência da incapacidade permanente para o
trabalho ou óbito, se houver: I – diagnóstico de Covid-19 comprovado mediante laudos
de exames laboratoriais; ou II – laudo médico que ateste quadro clínico
compatível com a Covid-19”. Segundo observou o julgador, é presumível
que a ex-empregada, quando supostamente contraiu a doença, encontrava-se
exercendo suas funções sujeitas a alto risco de contaminação pela Covid-19, que
resultou em seu falecimento, conforme registrado na certidão de óbito.
Teoria do risco criado
Tendo em vista as circunstâncias
apuradas, o juiz não teve dúvida da incidência, no caso, da teoria do risco
criado, citando a doutrina de Caio Maio da Silva Pereira: “O conceito
de risco que melhor se adapta às condições de vida social é o que se fixa no fato
de que, se alguém põe em funcionamento qualquer atividade, responde pelos
eventos danosos que esta atividade gera para os indivíduos, independentemente
de determinar se em cada caso, isoladamente, o dano é devido à imprudência, à
negligência, a um erro de conduta, e assim se configura a teoria do risco
criado”. (Responsabilidade Civil. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
p. 270).
Princípio da alteridade
contratual
A aplicação ao caso da teoria
objetiva da responsabilidade civil tornou desnecessária a pesquisa de eventual
culpa do município pelo ocorrido com a ex-empregada. Como ponderou o juiz, pelo
princípio da alteridade contratual, os riscos do empreendimento devem ser
suportados única e exclusivamente pelo empregador (artigo 2º da CLT). “A
interpretação de tal preceito, conjugada com os princípios fundamentais da
valorização social do trabalho, da dignidade da pessoa humana e da função
socioambiental da propriedade inerente à ordem econômica (arts. 1º, III, IV e
170, III, da CF/88), leva à inexorável ilação de que os riscos que o empregador
assume em sua atividade ultrapassa os estritos limites financeiros da relação
jurídica trabalhista, pois também deve se responsabilizar pelas lesões
acarretadas a seus empregados no exercício do trabalho do qual tira
proveito”, destacou.
Danos morais reflexos ou “em
ricochete”
Os autores pediram indenização
por danos morais em ricochete, decorrentes do acidente de trabalho que resultou
no falecimento da esposa e mãe. “Todos os autores se enquadram como
vítimas indiretas do evento morte derivado da doença ocupacional sofrida pela
vítima, eis que atingidos em sua honra e intimidade (art. 223-C da CLT)”,
concluiu a sentença.
Segundo o pontuado, os danos
morais são lesões que afetam os atributos íntimos do indivíduo e atingem
frontalmente os seus direitos da personalidade, como a vida, honra, dignidade,
imagem, privacidade e outros, sendo passíveis de indenização compensatória, nos
termos do artigo 5º, V e X, da Constituição Federal de 1988. Ainda, entre as
lesões de cunho extrapatrimonial, há o dano moral indireto, reflexo ou em
ricochete, “em que o ato ilícito praticado em detrimento da vítima
direta reverbera seus efeitos e atingem os detentores de certo vínculo de
afetividade para com aquela, notadamente os familiares e parentes mais
próximos, o que lhes acarreta o chamado prejuízo de afeição”, explicou
Miranda.
Conforme consignado na decisão, a
doutrina e a jurisprudência trabalhistas sedimentaram o entendimento de haver
uma presunção relativa de dor moral dos filhos, cônjuge ou companheiro(a) e
pais do trabalhador falecido em decorrência de acidente de trabalho. O
entendimento decorreu da interpretação por analogia do artigo 16, parágrafo 4º,
da Lei nº 8.213/1991, segundo o qual o cônjuge, a companheira, o companheiro e
o filho se presumem economicamente dependentes do segurado da previdência
social, bem como do artigo 20, parágrafo único, do Código Civil, que estabelece
a legitimidade do cônjuge, ascendentes e descendentes para requerer indenização
no caso de violação da honra, boa fama ou da respeitabilidade da pessoa
falecida.
“No caso dos autos, a perda da
esposa e genitora, de apenas 42 anos de idade, vítima da fatídica doença que
assolou a humanidade nos últimos anos, não deixa espaço para dúvidas acerca do
sofrimento extremo impingido aos autores”, destacou o juiz,
ressaltando que, para tanto, basta pensar na angústia do marido e filhos que
tiveram que acompanhar a evolução negativa do quadro clínico da trabalhadora,
que resultou em sua morte.
O juiz chamou atenção para o fato
de que um dos autores e filho da falecida contava com apenas seis anos de idade
à época do óbito: “terá que prosseguir com sua vida levando de sua mãe
apenas as poucas lembranças dela quando viva, tendo em vista a sua tenra
idade”, frisou.
“Tal situação acarreta dor,
saudade, indignação, sentimento de impotência, sofrimento e transtornos de toda
a ordem aos autores, pois formam o núcleo familiar básico que, de forma
natural, desenvolve uma relação de intimidade especial entre os seus componentes.
Tais sentimentos negativos são deduzidos de forma clarividente do fato de ser
paradoxal que uma trabalhadora que sai de casa para ‘ganhar a vida’ com o seu
labor acaba por perdê-la em decorrência do exercício de suas funções”, destacou
o magistrado.
Dano presumido
Conforme constou da decisão, no
caso dos autores, o dano é presumido, sendo desnecessária a prova da lesão ao
patrimônio imaterial dos ofendidos, o que se extrai da simples percepção do
fato ocorrido por qualquer observador externo que tenha o mínimo senso de
cognição. Nessa situação, basta que a vítimas indiretas demonstrem o fato
gerador do dano, como ocorreu no caso.
Ao arbitrar o valor da
indenização por danos morais reflexos, o julgador considerou a gravidade da
conduta praticada pelo ofensor e o grau de sua culpa, os princípios da
proporcionalidade, razoabilidade, bem como o caráter punitivo, pedagógico e
compensatório da medida.
Tarifação dos danos morais –
Inconstitucionalidade
Na sentença, foi reconhecida, de
forma incidental, a inconstitucionalidade dos parágrafos 1º, 2º e 3º do artigo
223-G, da CLT, introduzido pela Lei nº 13.467/2017 (reforma trabalhista), que
dispõem sobre a tarifação dos danos morais, para fins de fixação da indenização
compensatória. Conforme pontuado, os dispositivos são claramente contrários à
Constituição da República, sobretudo ao artigo 5º, V e X, bem como aos
princípios da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade e da isonomia
(artigos 1º, III, e 5º, caput, da CF/1988), conforme jurisprudência
pacificada no Superior Tribunal de Justiça (Súmula 381), no Superior Tribunal
Federal (ADPF 130) e no TRT-MG (ArgInc 0011521-69.2019.5.03.0000).
“O sofrimento impingido aos
autores é incomensurável, não se podendo estabelecer de forma objetiva se
haverá em médio ou longo prazo a superação psicológica da perda do familiar,
sendo incontestáveis os reflexos da lesão no universo pessoal e social dos
ofendidos, considerando a perda de sua esposa e genitora (art. 944, do CC/02)”, frisou
o juiz.
Danos materiais – Pensão
mensal vitalícia
A agente comunitária de saúde
contratada pelo município teve como último salário bruto a quantia de R$
2.212,16 e contava com 42 anos de idade à época do óbito, ocorrido em 2021. Era
responsável pelo sustento dos filhos e vivia com o cônjuge, pai de seus filhos.
Ao analisar o pedido de indenização por danos materiais, o juiz considerou a
situação de dependência econômica dos autores.
“Os danos de ordem
material, por sua vez, dizem respeito às perdas patrimoniais sofridas pela
vítima em decorrência do ato ilícito praticado pelo agente ofensor, abrangendo
os danos emergentes e os lucros cessantes (art. 402, do CC)”, destacou
Miranda.
Na sentença, foi negado o pedido
de pagamento em parcela única, considerando que o objetivo da indenização é a
recomposição do patrimônio do ex-empregado, ou de seus dependentes, e não o
enriquecimento sem causa. Ressaltou-se ainda que o pagamento em pensão mensal
gera muito menos transtorno financeiro do que um valor quitado de uma só vez.
Levando-se em conta que parte do
salário que a empregada falecida recebia era para despesas pessoais, o valor da
pensão mensal foi fixado em 2/3 do salário (R$ 1.474,77) a ser dividido
igualmente entre os autores, com termo inicial na data do óbito (22/1/2021) e
termo final em 6/10/2058 (quando a empregada completaria 80 anos idade),
considerando a expectativa de vida de pessoas do sexo feminino no Brasil em
2021, conforme última Tabela do IBGE, a não ser no caso de um dos autores
falecer antes.
A cota-parte dos filhos cessará quando
eles completarem 25 anos de idade, quando o valor deverá ser revertido aos
beneficiários remanescentes, por aplicação analógica do artigo 77, parágrafo
1º, da Lei nº. 8.213/1991. A cota-parte do filho menor deverá ser depositada em
caderneta de poupança, aberta para essa única finalidade.
Pelo princípio da restituição
integral (artigo 944 do Código Civil), a pensão mensal vitalícia incluiu 13ºs
salários anuais, com pagamento no mês de dezembro de cada ano, nos termos da
Lei 4.090/1962, e uma parcela anual será acrescida de 1/3, a título de férias
anuais remuneradas. Os julgadores da Oitava Turma do TRT-MG aumentaram o valor
da indenização, que passou a ser de R$ 250 mil para cada autor da ação: o viúvo
e os dois filhos, totalizando R$ 750 mil. O processo foi remetido ao TST para
exame do recurso de revista do município.
TRT3
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