Por 4 votos a 3, o Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) reformou acórdão do Tribunal Regional Eleitoral do
Ceará (TRE-CE) e reconheceu fraude à cota de gênero praticada pelo Partido
Cidadania nas candidaturas para o cargo de vereador em Itaiçaba (CE), nas Eleições
2020.
Com a decisão foi determinada a
nulidade dos votos recebidos pela legenda para o cargo e a cassação do
Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários (DRAP) e dos diplomas e
registros a ele vinculados, com o consequente recálculo dos quocientes
eleitoral e partidário. Também foi declarada a inelegibilidade das candidatas
envolvidas na fraude, conforme o previsto no Art. 22, inciso XIV, da Lei de
Inelegibilidade (Lei
Complementar nº 64/1990).
Histórico do caso
A coligação “Unidos para
Reconstruir Itaiçaba” e o Partido Democrático Trabalhista (PDT) ajuizaram Ação
de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) contra o Cidadania e respectivos
candidatos apontando fraude no cumprimento da cota de gênero. Segundo os autos,
as candidaturas de Michelly Gomes e Emmanuelle Maria foram formalizadas de
maneira fictícia, apenas com o intuito de cumprir o artigo 10 da Lei das
Eleições (Lei
9.504/1997) que determina o preenchimento mínimo de 30% e máximo de 70%
para candidaturas de cada sexo.
Ao analisar o caso, o TRE-CE
entendeu não haver indícios de fraude, uma vez que, entre outros argumentos
apresentados pelos autores do processo, a reduzida votação nas candidatas não
destoou do quantitativo recebido pelos demais oponentes não eleitos no
município.
Entretanto, o relator da ação no
TSE, ministro Sérgio Banhos, considerou haver evidências suficientes da fraude,
como votação pífia das candidatas; não realização de propaganda em redes
sociais; despesas de campanha reduzidas e ausência de impressos; e outros atos
efetivos de campanha. “Participação de candidatas em convenção partidária e a
homologação de suas candidaturas só podem ser consideradas como atos preparatórios
para campanha, e não se confundem com a realização de atos dos participantes na
disputa eleitoral”, pontuou o ministro. Banhos fez referência ao caso de Jacobina (BA)
quando, de maneira inédita, o TSE determinou o recálculo de votos para vereador
e passou a aplicar o mesmo entendimento a dezenas de outros casos semelhantes.
Divergência
O ministro Carlos Horbach abriu a
divergência e argumentou ser necessário analisar a realidade do município de
pequeno porte, em que é comum obter poucos votos tanto para homens quanto para
mulheres, especialmente em razão do grande número de candidatas. Esse posicionamento
foi acompanhado pelos ministros Nunes Marques e Raul Araújo. Para Marques,
seria necessário ter “empatia” com as mulheres que se candidatam e que nunca
participaram de campanha eleitoral e não sabem como percorrer esse caminho
durante o pleito sem o apoio do partido.
Maioria formada
Nesse ponto, a ministra Cármen
Lúcia discordou e reforçou que é preciso uma educação que reconheça a mulher
como uma pessoa dotada de autonomia e capaz, sem precisar ser amparada, e que
essa é a educação que a Justiça Eleitoral tem tradição de oferecer. “O que a
gente quer, nós, mulheres, não é empatia da Justiça, é respeito aos nossos
direitos. É preciso que tenha educação cívica para todos os brasileiros
igualmente participarem livremente, autonomamente, com galhardia, das campanhas
eleitorais e da vida política de um país”, destacou, ao endossar o voto do
relator.
Conforme asseverou a ministra, se
o partido abandonar a campanha da mulher lançada como candidata, ela deve ir
até o partido e dizer que, nessas condições, não vai participar, sob pena de
ser conivente com a fraude.
“Nós queremos educar as mulheres,
oferecer condições de educação para que elas façam isso. Então, eu não acho que
aqui é uma questão de empatia, é de constitucionalidade. Não é constitucional
termos um dispositivo que estabelece a igualdade entre homens e mulheres e que
não é cumprido. A desigualdade é o maior problema que nós temos no Brasil,
incluída [a desigualdade] contra as mulheres”, enfatizou, ao reafirmar que “não
é com empatia que vamos transformar essa realidade na qual mulheres e homens
deveriam ser [mas não são], iguais em direito nos termos da Constituição”. A
ministra ainda destacou que a regra da cota de gênero existe desde 1996 e que
os partidos políticos não obedecem se não for por força de decisão judicial.
O presidente da Corte, ministro
Alexandre de Moraes, também acompanhou o relator e ressaltou a importância do
posicionamento do TSE nesses julgamentos. “Nós sabemos que determinados estados
não julgavam procedente nenhuma fraude à cota de gênero até o TSE começar a
reverter os acórdãos e até o caso Jacobina que responsabiliza os partidos,
porque o partido perde a chapa toda que elegeu. Temos que dar um recado muito
claro aos partidos políticos para o ano que vem [na campanha das Eleições 2024]
no sentido de que a Justiça Eleitoral não vai tolerar de novo candidaturas
fraudulentas”, advertiu.
Caso semelhante
O Plenário iniciou hoje outro
julgamento com mesmo tema, mas que envolve candidatos do Progressistas em São
Miguel dos Campos (AL). De relatoria do ministro Benedito Gonçalves, o processo
foi retirado do Plenário Virtual após pedido de destaque do ministro Horbach.
Neste caso, Horbach seguiu
entendimento do relator, segundo o qual houve fraude em relação a uma das
candidatas e deveria, portanto, ser decretada a nulidade dos votos recebidos
pelo partido no município, a cassação do DRAP e dos diplomas dos candidatos
vinculados e consequente recálculo dos quocientes eleitoral e partidário,
conforme jurisprudência já firmada. O julgamento foi adiado após pedido de
vista do ministro Raul Araújo.
JV/CM, DM Fonte: TSE
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