O Tribunal Superior Eleitoral
rejeitou a interpretação que relativizaria o uso de elementos como votação
mínima e poucos gastos de campanha como indícios da prática de fraude à cota de
gênero nas eleições. Para a corte, esses fatores sempre indicam a ocorrência do
ilícito.
O caso tratou da chapa do
Cidadania que concorreu à Câmara Municipal de Itaiçaba (CE), em 2020. A ação se
baseou na candidatura fictícia de duas mulheres, ilícito que não foi
reconhecido pela sentença de primeiro grau e pelo Tribunal Regional Eleitoral
do Ceará.
No TSE, o relator, ministro
Sérgio Banhos, identificou que os elementos configuradores da fraude estão todos presentes:
votação diminuta, ausência de campanha em redes sociais, despesas eleitorais
reduzidas e inexistência de propaganda impressa.
Embasado pela ampla jurisprudência sobre o tema, ele deu provimento ao
recurso para cassar a chapa completa. No entanto, uma parte do colegiado
divergiu por entender que os elementos configuradores da fraude não são tão
óbvios assim.
O ministro Carlos Horbach apontou
que, conforme o acórdão, poucos votos e pequenos gastos são comuns nas
campanhas municipais em Itaiçaba. Isso se justifica por ser uma cidade de
pequeno eleitorado — cerca de seis mil eleitores — e de muitas candidaturas, o
que acaba por diluir o resultado.
As acusadas pela fraude gastaram
R$ 300 e R$ 200 em suas campanhas. Uma obteve nove votos e a outra, apenas
dois. Mas nenhuma delas zerou. Além disso, outros candidatos tiveram gastos
parecidos no processo eleitoral: alguns se elegeram com menos de R$ 200.
Para o ministro Horbach, isso
mostra que os gastos delas não foram irrisórios. "Há elementos que me
colocam em dúvida quanto à fraude", afirmou. O ministro Nunes Marques
opinou que houve uma "tentativa republicana de cumprimento da norma
eleitoral na busca por pessoas do gênero feminino que se dispusessem a se
candidatar".
Ele defendeu que a Justiça
Eleitoral tenha empatia com essas candidatas que, muitas vezes, são abandonadas
pelo próprio partido. "Não é fácil para uma mulher do povo, simples, se
candidatar e ter nove votos numa cidade dessas."
O ministro Raul Araújo se
incorporou à divergência ao entender que os elementos dos autos indicam
que não necessariamente ocorreu a fraude à cota de gênero.
O objetivo da cota de gênero,
destacou ela, não é gerar empatia, mas condições para que as mulheres vençam
sua sub-representação histórica na política. "Não interessa uma sociedade
na qual alguns são tão frágeis que, coitadinhos, se o partido os abandonar eles
ficam sem obter voto."
O ministro Benedito Gonçalves
também acompanhou o relator. E, ao desempatar a votação, o ministro Alexandre
de Moraes classificou a fraude no caso julgado como "descarada" porque
"não há nenhum indicativo da seriedade das candidaturas"
"Sabemos que em qualquer
cidade tem aquela mulher que é conhecida e tem potencial eleitoral. Só que não
são essas que os partidos procuram. Eles buscam as que não querem fazer
campanha, exatamente para poder eleger os homens. Essa é a fraude: a procura de
candidatas que não tenham chance, para perpetuar as candidaturas
masculinas."
O ministro afirmou ainda que
seria um recado muito ruim se a Justiça Eleitoral permitisse a relativização do
entendimento construído sobre o cumprimento da cota de gênero, inclusive de
olho nas eleições de 2024. "É muito perigosa essa questão do afrouxamento
da fiscalização."
Esclarecimento
Em manifestação durante o julgamento, o ministro Nunes Marques aproveitou para
contextualizar sua fala e indicar que a empatia em relação às candidatas deve
partir do Judiciário, não dos partidos políticos. Ele defendeu o aparelhamento
da Justiça para dar armas para que as mulheres tenham condições iguais no
processo político.
"É diferente a situação da
mulher que participou de um movimento estudantil, que é uma líder comunitária,
de alguém que, por questões econômicas e sociais, é desprovida de um
discernimento politico. Essa candidata precisa de um apoio maior do partido. E
quando o diretório vira as costas a todos indistintamente, alguns são mais
prejudicados."
AREspe
0600392-82.2020.6.06.0075
Fonte: Conjur
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