É presumida a necessidade de
percepção de alimentos do portador de doença mental incapacitante, devendo ser
suprida nos mesmos moldes dos alimentos prestados em razão do Poder Familiar,
independentemente da maioridade civil do alimentado.
Trata-se de ação de exoneração de
alimentos lastreada, tão só, no advento da maioridade civil do alimentado
portador de doença mental crônica incapacitante que o impede de cuidar de si
próprio ou de seus pertences, devendo estar continuamente sob amparo de
familiares e em tratamento psiquiátrico. Na origem, o argumento determinante
para exonerar o alimentante foi o fato de o alimentado passar a receber
Benefício de Prestação Continuada (BPC), garantido pela Lei Orgânica da
Assistência Social (LOAS – Lei n. 8.742/1993) à pessoa com deficiência de
qualquer idade e com impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial de longo prazo. Fixadas essas premissas, convém destacar que a
obrigação alimentar relativa a filho maior, porém incapaz, embora migre,
tecnicamente, dos alimentos devidos em face do Poder Familiar para alimentos
devidos por vínculo de parentesco, não importa em significativa alteração
quanto à abrangência desses alimentos. Essa assertiva decorre, entre outras
regulações, do quanto preconizado no art. 8º da Lei n. 13.146/2015 (Estatuto da
Pessoa com Deficiência), que fixa a obrigação da família de assegurar à pessoa
com deficiência que não possa prover o próprio sustento, a efetivação de toda a
gama de direitos relativos a seu bem-estar pessoal, social e econômico. Sob
esse foco é de se ver que o julgador, diante do pedido formulado por um
possível alimentado, não se volta inicialmente para a capacidade do
alimentante, mas procura encontrar, diante da análise dos elementos que dispõe
e do que vislumbra ser as necessidades do alimentado, o ideal dos
alimentos ad necessitatem. Exsurge, da visão conceitual do processo
de fixação dos alimentos, que possível aumento na renda do alimentado somente
importará em redução, ou exoneração dos alimentos, se ela suprir o ideal de
necessidade daquele alimentado. Cotejando essa teórica fórmula de fixação de
alimentos com as bases fáticas construídas na origem, nos diz as máximas da
experiência, que os gastos teóricos necessários para a manutenção do bem-estar
de filho que tenha grave comprometimento mental, usualmente ultrapassam, em
muito, a capacidade financeira dos seus genitores, razão pela qual, nessas
circunstâncias, fixa-se o valor dos alimentos, não pela necessidade do
alimentado, mas pela possibilidade do alimentante. Nesse contexto, o Benefício
de Prestação Continuada recebido pelo alimentado, que equivale a um salário
mínimo, por óbvio lhe agregou significativa qualidade de vida, mormente por se
considerar a situação de penúria absoluta que deveria existir antes da sua
percepção. Mas como se observa do cotidiano de famílias nas quais um dos membros
é acometido de doença mental incapacitante, esse valor é ínfimo se comparado às
efetivas necessidades dessa pessoa. E essa verdade se perpetua, mesmo que a
esse benefício sejam acrescidos alimentos correspondentes a 30% do salário
mínimo. É dizer: mesmo com a soma do benefício assistencial e a pensão
alimentícia, os valores carreados para a manutenção do alimentado, ficarão bem
aquém de suas reais necessidades.
Veja o acórdão:
CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO
ESPECIAL. EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS. POSSIBILIDADE. MAIORIDADE CIVIL. DOENÇA
MENTAL. RECEBIMENTO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. O advento da maioridade não
extingue, de forma automática, o direito à percepção de alimentos, mas esses
deixam de ser devidos em face do Poder Familiar e passam a ter fundamento nas
relações de parentesco, em que se exige a prova da necessidade do alimentado.
No entanto, quando se trata de filho com doença mental incapacitante, a
necessidade do alimentado se presume, e deve ser suprida nos mesmo moldes dos
alimentos prestados em razão do Poder Familiar.
Mesmo que haja variações positivas nos rendimentos do alimentado – in casu,
recebimento de Benefício de Prestação Continuada – se o valor auferido não é
suficiente para o suprimento das necessidades básicas de filho com doença mental,
mantém-se a obrigação alimentar.
Recurso especial provido. Acórdão reformado.
(REsp n. 1.642.323/MG, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma,
julgado em 28/3/2017, DJe de 30/3/2017.)
STJ
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