O Tribunal Superior Eleitoral
decidiu, por maioria de votos, ampliar a interpretação de uma regra da Lei das
Eleições (Lei 9.504/1997) criada para vetar manifestações anônimas na internet
durante a campanha eleitoral, de modo a fazê-la alcançar também os casos em que
há disseminação de fake news.
Nikolas Ferreira foi multado no
valor máximo previsto na regra antianonimato
A mudança de interpretação foi
consolidada quando o colegiado manteve a multa de R$ 30 mil ao deputado federal
Nikolas Ferreira (PL-MG) por compartilhar vídeo com informações falsas sobre o
então candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT), hoje presidente, às vésperas do
segundo turno das eleições.
Por meio do uso de textos
jornalísticos descontextualizados, Nikolas fez um vídeo anunciando que Lula
desviou R$ 242,2 bilhões da saúde enquanto presidente, investimento que teria
feito falta no combate à epidemia da Covid-19, a partir de 2020.
A defesa de Lula representou
contra ele e conseguiu a retirada do material do ar, apontando que a cifra foi
citada em reportagem da revista Veja em 2014 e se refere a dinheiro da extinta
CPFM que foi desviado para outras áreas, que não a saúde. Não se tratou,
portanto, de apropriação ilícita do montante.
Os advogados da campanha petista
fizeram a representação pedindo a aplicação do artigo 36 da Lei das Eleições,
que trata da tutela de propaganda eleitoral antecipada. O relator e presidente
do TSE, ministro Alexandre de Moraes, entendeu incabível o seu uso e decidiu
enquadrar a conduta no artigo 57-D da mesma lei.
A norma foi incluída na Lei das
Eleições em 2009 e garante a livre manifestação do pensamento, desde que
"vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da rede mundial
de computadores". O parágrafo 2º prevê que a violação do dispositivo seja
punida com multa de R$ 5 mil a R$ 30 mil.
Ao decidir, o ministro Alexandre
argumentou que, em eleições anteriores, o TSE entendeu que o artigo 57-D tem
aplicação restrita aos casos de anonimato. Mas, devido ao grave contexto de
propagação reiterada de desinformação, propôs uma nova interpretação para a
norma.
Todo abuso deve ser multado
Na visão do presidente do TSE, a
leitura do artigo 57-D da Lei das Eleições não indica que o ilícito se restringe
à hipótese de anonimato. Em vez disso, tutela outros tipos de abusos no
exercício do direito fundamental à livre expressão, que é garantido na
Constituição Federal, mas não é absoluto.
Para o ministro, a disseminação
de fake news, mesmo quando feita por pessoa identificada, tem os mesmos efeitos
nocivos à legitimidade das eleições da manifestação feita por usuário anônimo.
Nova interpretação do artigo 57-D
da Lei das Eleições foi inovação do ministro Alexandre de Moraes para punir
fake news
"Essa interpretação, que
viabiliza a imposição de multa aos responsáveis pela propagação de
desinformação na internet, revela-se mais consentânea com a crescente
preocupação desta Justiça especializada no combate à desinformação, de modo
que, além da remoção do conteúdo, a imposição de multa constitui mecanismo
importante para evitar tal prática", afirmou o ministro.
A nova interpretação foi
confirmada por maioria de votos. Os ministros Ricardo Lewadowski, Cármen Lúcia
e Benedito Gonçalves acompanharam o relator com considerações sobre os danos
causados à democracia pelo uso de informações falsas.
O ministro Sérgio Banhos citou
especificamente a nova interpretação dada ao parágrafo 57-D da Lei das
Eleições. Ele afirmou que entender de modo diferente deixaria o processo
eleitoral à mercê de toda sorte de desinformação e violaria o princípio que
veda a proteção deficiente dos bens constitucionais.
Por fim, o ministro Carlos
Horbach apontou que o artigo 57-D pode, sim, ser usado para multar por
manifestações caluniosas, difamatórias ou sabidamente inverídicas feitas na
internet. "Parece que o caso dos autos encontra a melhor solução nesse
voto. Em especial pela descontextualização do vídeo que é apresentado mostrando
uma fala sendo desvirtuada."
Interpretação descabida
Na tribuna do TSE, a defesa de
Nikolas Ferreira, feita pelo advogado e ex-ministro da casa Tarcísio Vieira de
Carvalho, não se opôs à nova interpretação proposta pelo ministro Alexandre de
Moraes. Mas alegou que ela não poderia ser aplicada às eleições de 2022, uma
vez que representaria uma inovação.
Como não há previsão legal para
estender a regra antianonimato para o caso de fake news, ele disse que o TSE
estaria encurtando caminhos legislativos para criar um padrão de comportamento
que os candidatos como Nikolas Ferreira não teriam como antever.
A manifestação sensibilizou apenas
o ministro Raul Araújo, que abriu a divergência e ficou vencido isoladamente.
Ele se opôs à interpretação extensiva do artigo 57-D por entender inviável
unificar o uso do anonimato na internet e a disseminação de fake news como duas
espécies de mesmo fenômeno social.
Mas, antes mesmo disso,
considerou o vídeo do deputado federal legítimo e plausível. Ele afirmou que
está nos limites da liberdade de expressão ao trazer aceitável narrativa
politica com comentários críticos a Lula, sem qualquer descontextualização que
se mostre relevante.
"A atuação da Justiça
Eleitoral para restringir a propaganda e, consequentemente, a liberdade de
expressão deve ser medida excepcional. A propaganda é o meio para a livre
circulação de ideias, impondo intervenção minimalista sob pena do
comprometimento do direito do eleitor ao acesso à informação", disse
Araújo.
RP 0601754-50.2022.6.00.0000
Danilo Vital é correspondente da
revista Consultor Jurídico em Brasília.
Via Conjur - Revista Consultor
Jurídico
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