A ausência do membro do
Ministério Público na oitiva de testemunhas da acusação durante audiência de
instrução não permite que o magistrado formule perguntas diretamente a estas,
assumindo função precípua do Parquet.
No caso, em audiência realizada
para a oitiva das testemunhas de acusação e de defesa, ante a ausência do
Representante Ministerial, todos os questionamentos inquisitórios destas, com
vistas a produzir as provas de acusação, foram formulados pelo magistrado.
A ausência do Ministério Público
à audiência de instrução não dá, à autoridade judicial, a liberdade de assumir
a função precípua do Parquet, que deve prosseguir a audiência sem
as perguntas acusatórias ou, então, suspender a audiência e marcar uma nova
data.
O magistrado, ao iniciar os
questionamentos e formular a maioria das perguntas, assume o protagonismo na
inquirição de testemunhas, presumindo-se o prejuízo sofrido pela defesa (EDcl
no HC 741.725/RS, Ministro Sebastião Reis Junior, Sexta Turma, DJe 27/10/2022).
Tendo o magistrado agido, “em
substituição à produção probatória que compete às partes, inquirindo
diretamente os depoentes, violando o devido processo legal e o sistema
acusatório, […] deve ser reconhecida a nulidade da colheita probatória
realizada em desacordo com o art. 212 do Código de Processo Penal, bem como
devem ser desentranhados e renovados os atos processuais contaminados, notadamente
os interrogatórios dos Réus, meio de defesa realizado ao final da instrução, e
as alegações finais, que foram produzidas consoante os elementos probatórios
então constantes nos autos” (AgRg no HC 708.908/RS, Ministra Laurita Vaz, Sexta
Turma, DJe 3/10/2022).
Veja o acórdão:
RECURSO ESPECIAL. PENAL E
PROCESSUAL PENAL. CRIME DE RESPONSABILIDADE. ART. 1º, II, DO DECRETO-LEI
201/67. ALEGAÇÃO DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL DEFICIENTE EM SEDE DE EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO. INOCORRÊNCIA. TESE DE NULIDADE. INÉPCIA DA PEÇA ACUSATÓRIA.
INOCORRÊNCIA. DENÚNCIA QUE PREENCHE OS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. SUPORTE NO
CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. ALTERAÇÃO. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. TESE DE
NULIDADE POR OFENSA AO ART. 212 DO CPP. INQUIRIÇÃO DAS TESTEMUNHAS PELO JUIZ,
DIANTE DA AUSÊNCIA DO MEMBRO DO PARQUET EM AUDIÊNCIA. PREJUÍZO DEMONSTRADO.
DETERMINADO O RETORNO DOS AUTOS PARA PROSSEGUIMENTO DO FEITO. PREJUDICADA A
ANÁLISE DOS DEMAIS PLEITOS DEFENSIVOS.
1. Não prospera o argumento de prestação jurisdicional deficiente, porquanto as
controvérsias suscitadas pelo embargante foram analisadas pela instância
ordinária, em que pese o seu descontentamento com o resultado do julgado.
2. […] a teor da jurisprudência desta Corte Superior, os embargos declaratórios
não se prestam para forçar o ingresso na instância extraordinária se não houver
omissão a ser suprida no acórdão nem fica o juiz obrigado a responder a todas
as alegações das partes quando já encontrou motivo suficiente para fundar a
decisão (AgRg no Ag n. 372.041/SC, Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma,
DJ 4/2/2002), de forma que não há falar em negativa de prestação jurisdicional
apenas porque o Tribunal local não acatou a pretensão deduzida pela parte (AgRg
no REsp n. 1.220.895/SP, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma,
DJe 10/9/2013).
3. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul dispôs que a alegação de inépcia,
por suposta imprecisão da data e descrição dos fatos praticados, não vinga. A
inicial acusatória atende satisfatoriamente – mais ainda porque amparada em
vastos elementos extraídos da investigação, aos quais o acusado teve acesso –
ao conteúdo do art. 41 do CPP. A conduta remanescente, apontada no 2° fato da
inicial acusatória, aponta que o acusado, entre fevereiro de 2010 e outubro de
2011, utilizou-se indevidamente, em proveito alheio, de bens e serviços do
Município de Pinheiro Machado para beneficiar terceiro, quem seja, Luís Eduardo
Nunes Pinto Lemos. Destaca, ainda, a participação de Bernadete Paz, Secretária
Municipal e também companheira do suposto beneficiado, violando-se as regras
insculpidas na Lei de Licitações. A descrição da suposta infração apontou
mínima e suficientemente os elementos que compunham a acusação, tanto que
permitiu ao acusado a ampla defesa, o que se evidencia claramente a partir do
material produzido em autodefesa e também por sua defesa técnica. Em suma,
sabia do que estava sendo acusado (fls. 1.513/1.514).
4. O Tribunal a quo, a partir da análise de elementos de cunho
fático-probatório, definiu como presente a demonstração da tipicidade entre as
condutas imputadas e o quanto disposto na denúncia, demonstrando assim, a
presença de justa causa para a ação penal. Não há falar em inépcia da denúncia,
bem como cerceamento de defesa, por conta da imprecisão das datas dos atos
delitivos.
5. Para rever a conclusão da Corte de origem, na forma pretendida na presente
insurgência, há necessidade de reexame do contexto fático-probatório dos autos,
o que é vedado em sede de recurso especial (Súmula 7/STJ).
6. Se a denúncia descreve a conduta do acusado que pode se amoldar ao delito
imputado, de forma que torna plausível a imputação e possibilita o exercício da
ampla defesa, com todos os recursos a ela inerentes e sob o crivo do
contraditório, não há falar em violação ao disposto no art. 41 do CPP. […] O
exame das alegações de inépcia da inicial acusatória por ausência de indícios
mínimos de autoria e materialidade do delito ou, ainda, que não existem provas
do dolo e da fraude para desconstituir o entendimento das instâncias ordinárias,
demandaria o revolvimento do acervo fático-probatório dos autos, providência
vedada da via recursal eleita, ante o óbice da Súmula 7 desta Corte (AgRg no
AgRg no REsp n. 1.515.946/PR, Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJe
14/9/2018).
7. O fato de o Ministério Público não ter comparecido à audiência de instrução
não dá, à autoridade judicial, a liberdade de assumir a função precípua do
Parquet.
8. Em face da repreensível ausência do Parquet, que, sem qualquer
justificativa, acarretou a contaminação do bom andamento do processo, o órgão
julgador deveria prosseguir a audiência sem as perguntas acusatórias ou, então,
suspender a audiência e marcar uma nova data.
9. O Magistrado, no caso concreto, […], agiu em substituição à produção
probatória que compete às partes, inquirindo diretamente os depoentes, violando
o devido processo legal e o sistema acusatório.
[…] Assim, deve ser reconhecida a nulidade da colheita probatória realizada em
desacordo com o art. 212 do Código de Processo Penal, bem como devem ser
desentranhados e renovados os atos processuais contaminados, notadamente os
interrogatórios dos Réus, meio de defesa realizado ao final da instrução, e as
alegações finais, que foram produzidas consoante os elementos probatórios então
constantes nos autos […] (AgRg no HC n. 708.908/RS, Ministra Laurita Vaz, Sexta
Turma, DJe de 3/10/2022).
10. Resta evidenciado o prejuízo, pois a sentença considerou fundamentos
extraídos da referida audiência ao lastrear o édito condenatório.
11. Na hipótese em exame, inexistem as omissões indicadas nos embargos de
declaração; o que há é decisão contrária aos interesses da parte, visto que foi
explicitamente afirmado que a Juíza, ao iniciar os questionamentos e formular a
maioria das perguntas, assumiu o protagonismo na inquirição de testemunhas, em
patente violação ao art. 212 do CPP, sendo presumido o prejuízo sofrido pela
defesa (EDcl no HC n. 741.725/RS, Ministro Sebastião Reis Junior, Sexta Turma,
DJe de 27/10/2022).
12. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido para
reconhecer a nulidade do art. 212 do Código de Processo Penal, determinando o
retorno dos autos à origem para prosseguimento do feito.
(REsp n. 1.846.407/RS, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma,
julgado em 13/12/2022, DJe de 27/12/2022.)
STJ
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