No regime de separação
convencional de bens, o cônjuge sobrevivente concorre na sucessão causa
mortis com os descendentes do autor da herança. Quem
determina a ordem da vocação hereditária é o legislador, que pode construir um
sistema para a separação em vida diverso do da separação por morte. E ele o
fez, estabelecendo um sistema para a partilha dos bens por causa mortis e
outro sistema para a separação em vida decorrente do divórcio. Se a mulher se
separa, se divorcia, e o marido morre, ela não herda. Esse é o sistema de
partilha em vida. Contudo, se ele vier a morrer durante a união, ela herda
porque o Código a elevou à categoria de herdeira. São, como se vê, coisas
diferentes. Ademais, se a lei fez algumas ressalvas quanto ao direito de herdar
em razão do regime de casamento ser o de comunhão universal ou parcial, ou de
separação obrigatória, não fez nenhuma quando o regime escolhido for o de
separação de bens não obrigatório, de forma que, nesta hipótese, o cônjuge
casado sob tal regime, bem como sob comunhão parcial na qual não haja bens
comuns, é exatamente aquele que a lei buscou proteger, pois, em tese, ele
ficaria sem quaisquer bens, sem amparo, já que, segundo a regra anterior, além
de não herdar (em razão da presença de descendentes) ainda não haveria bens a
partilhar. Essa, aliás, é a posição dominante hoje na doutrina nacional, embora
não uníssona. No mesmo sentido, caminha o Enunciado 270 do CJF, aprovado na III
Jornada de Direito Civil, ao dispor que: “O art. 1.829, inc. I, só assegura ao
cônjuge sobrevivente o direito de concorrência com os descendentes do autor da
herança quando casados no regime da separação convencional de bens ou, se
casados nos regimes da comunhão parcial ou participação final nos aquestos, o
falecido possuísse bens particulares, hipóteses em que a concorrência se
restringe a tais bens, devendo os bens comuns (meação) ser partilhados
exclusivamente entre os descendentes”. Ressalta-se ainda que o art. 1.829, I,
do CC, ao elencar os regimes de bens nos quais não há concorrência entre
cônjuge supérstite e descendentes do falecido, menciona o da separação
obrigatória e faz constar entre parênteses o art. 1.640, parágrafo único.
Significa dizer que a separação obrigatória a que alude o dispositivo é aquela
prevista no artigo mencionado entre parênteses. Como registrado na doutrina, a
menção ao art. 1.640 constitui equívoco a ser sanado. Tal dispositivo legal não
trata da questão. A referência correta é ao art. 1.641, que elenca os casos em
que é obrigatória a adoção do regime de separação. Nessas circunstâncias, uma
única conclusão é possível: quando o art. 1.829, I, do CC diz separação
obrigatória, está referindo-se apenas à separação legal prevista no art. 1.641,
cujo rol não inclui a separação convencional. Assim, de acordo com art. 1.829,
I, do CC, a concorrência é afastada apenas quanto ao regime da separação legal
de bens prevista no art. 1.641 do CC, uma vez que o cônjuge, qualquer que seja
o regime de bens adotado pelo casal, é herdeiro necessário (art. 1.845 do CC).
Precedentes citados: REsp 1.430.763-SP, Terceira Turma, DJe 2/12/2014; e REsp 1.346.324-SP, Terceira Turma, DJe 2/12/2014. REsp 1.382.170-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, Rel. para
acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgado em 22/4/2015, DJe 26/5/2015.
Veja o acórdão:
CIVIL. DIREITO DAS SUCESSÕES.
CÔNJUGE. HERDEIRO NECESSÁRIO. ART. 1.845 DO CC. REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL
DE BENS. CONCORRÊNCIA COM DESCENDENTE. POSSIBILIDADE. ART. 1.829, I, DO CC.
1. O cônjuge, qualquer que seja o regime de bens adotado pelo casal, é herdeiro
necessário (art. 1.845 do Código Civil).
2. No regime de separação convencional de bens, o cônjuge sobrevivente concorre
com os descendentes do falecido. A lei afasta a concorrência apenas quanto ao
regime da separação legal de bens prevista no art. 1.641 do Código Civil.
Interpretação do art. 1.829, I, do Código Civil.
3. Recurso especial desprovido.
(REsp n. 1.382.170/SP, relator Ministro Moura Ribeiro, relator para acórdão
Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Seção, julgado em 22/4/2015, DJe de
26/5/2015.)
STJ
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