O advogado que ajuizou ação de
execução de honorários de sucumbência não só contra a sociedade limitada que
exclusivamente constava como sucumbente no título judicial, mas também, sem
qualquer justificativa, contra seus sócios dirigentes, os quais tiveram valores
de sua conta bancária bloqueados sem aplicação da teoria da desconsideração da
personalidade jurídica, deve aos sócios indenização pelos danos materiais e
morais que sofreram. Com efeito, a lei não faculta ao exequente escolher quem
se sujeitará à ação executiva, independentemente de quem seja o devedor
vinculado ao título executivo. Ressalte-se que, tendo as sociedades de
responsabilidade limitada vida própria, não se confundem com as pessoas dos
sócios. No caso de as cotas de cada um estarem totalmente integralizadas, o
patrimônio pessoal dos sócios não responde por dívidas da sociedade. Portanto,
a regra legal a observar é a do princípio da autonomia da pessoa coletiva,
distinta da pessoa de seus sócios ou componentes, distinção que só se afasta
provisoriamente e tão só em hipóteses pontuais e concretas. É certo que existem
exceções, e a disregard doctrine é um meio de estender aos sócios da empresa a
responsabilidade patrimonial por dívidas da sociedade. Não menos certo, porém,
é que a desconsideração da personalidade jurídica depende da constatação de que
ela esteja servindo como cobertura para abuso de direito ou fraude nos negócios
e atos jurídicos, hipótese em que o juiz pode, em decisão fundamentada, ignorar
a personalidade jurídica e projetar os efeitos dos atos contra a pessoa física
que dela se beneficiou (art. 50 do CC). Além disso, o ato ilícito é um gênero
dos quais são espécies as disposições insertas nos arts. 186 (violação do
direito alheio) e 187 (abuso de direito próprio) do CC. Ambas as espécies se
identificam por uma consequência comum, indicada no art. 927, ou seja, a
reparação. Havendo excesso quanto ao limite imposto pelo fim econômico ou
social do direito exercido, pela boa-fé ou pelos bons costumes, está
caracterizado o abuso de direito. Nas hipóteses específicas de execução, o CPC
traz regra segundo a qual “o credor ressarcirá ao devedor os danos que este
sofreu, quando a sentença, passada em julgado, declarar inexistente, no todo ou
em parte, a obrigação, que deu lugar à execução” (art. 574). Esse dispositivo,
de natureza idêntica ao art. 187 do CC, pois ambos visam ao ressarcimento na
hipótese de danos decorrentes de abuso de direito, é utilizado em casos de
emprego abusivo da ação executiva, por exemplo, quando se propõe execução cujo
título não garanta a efetiva existência de crédito, mesmo que isso venha a ser
reconhecido após o ajuizamento da demanda, ou quando há direcionamento da
execução contra quem não é responsável pelo crédito. No que diz respeito aos
danos morais, o fato, por si só, de os sócios dirigentes da sociedade
empresária comporem o polo passivo de uma ação não enseja a responsabilização,
pois os ônus que os sócios sofreram em nome próprio sofreriam se tivessem
atuando gerencialmente em nome da sociedade devedora. Contudo,
desnecessariamente viram parte de seu patrimônio constrita, e isso em razão da
astúcia do credor, pois, sendo técnico em direito, já que é advogado, não é
razoável concluir que não soubesse que agia ferindo a lei. A ninguém é dado
buscar facilidades em detrimento da lei ou de quem quer que seja, pois o limite
de atuação está na lei. Quando há abuso, há prejuízos. Assim, há nexo causal
entre o ato abusivo praticado pelo credor e os danos causados aos sócios pelos
aborrecimentos que atingiram a esfera pessoal de cada um. REsp 1.245.712-MT,
Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 11/3/2014.
Veja o acórdão:
PROCESSO CIVIL. AÇÃO EXECUTIVA.
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. NÃO DECLARAÇÃO. EXECUÇÃO PROPOSTA
CONTRA SÓCIOS NÃO DEVEDORES. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS.
1. A regra legal a observar é a
do princípio da autonomia da pessoa coletiva, distinta da pessoa de seus sócios
ou componentes, distinção que só se afasta provisoriamente e tão só em
hipóteses pontuais e concretas.
2. A disregard doctrine existe
como meio de estender aos sócios da empresa a responsabilidade patrimonial por
dívidas da sociedade.
Todavia, sua aplicação depende da
verificação de que a personalidade jurídica esteja servindo como cobertura para
abuso de direito ou fraude nos negócios e atos jurídicos (art. 50 do Código
Civil).
Essa teoria não pode servir como
justificativa para que o credor de título executivo judicial ajuíze, a seu
alvedrio, ação executiva contra os sócios de empresa sem que eles sejam devedores.
3. Credor de título executivo
judicial que propõe ação executiva contra quem sabidamente não é devedor,
buscando facilidades para recebimento dos créditos, age no exercício irregular
de direito, atraindo a incidência das disposições do art. 574 do CPC.
4. Recurso especial conhecido e
provido.
(REsp n. 1.245.712/MT, relator
Ministro João Otávio de Noronha, Terceira Turma, julgado em 11/3/2014, DJe de
17/3/2014.)
STJ
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