Independentemente da comprovação da relação jurídica
subjacente, a simples apresentação de nota promissória prescrita é suficiente
para embasar a ação de locupletamento pautada no art. 48 do Decreto n.
2.044/1908. Inicialmente, deve-se esclarecer que a ação de enriquecimento sem
causa amparada prevista no art. 884 do CC não tem cabimento no caso em que a
lei preveja outro meio especificamente estabelecido para o ressarcimento do
prejuízo, haja vista o disposto no art. 886 do CC: “Não caberá a restituição por
enriquecimento, se a lei conferir ao lesado outros meios para se ressarcir do
prejuízo sofrido”. Diante disso, no caso em que se busque o ressarcimento de
prejuízo causado pelo não pagamento de nota promissória prescrita, não será
cabível a ação de enriquecimento sem causa amparada a que se refere o art. 884
do CC, mas sim a ação de locupletamento pautada no art. 48 do Decreto n.
2.044/1908. Isso porque o referido art. 48 – conquanto disponha, em título do
Decreto n. 2.044/1908 destinado à letra de câmbio, que “Sem embargo da
desoneração da responsabilidade cambial, o sacador ou o aceitante fica obrigado
a restituir ao portador, com os juros legais, a soma com a qual se locupletou à
custa deste” – também é aplicável, com as adequações necessárias, à nota promissória,
sendo o emitente da nota promissória equiparado ao aceitante da letra de
câmbio. É o que determina o art. 56 deste mesmo diploma legal, segundo o qual
“São aplicáveis à nota promissória, com as modificações necessárias, todos os
dispositivos do Título I desta Lei, exceto os que se referem ao aceite e às
duplicatas”. Diante dessas considerações, cumpre analisar, no caso em análise,
a necessidade de o autor da ação de locupletamento (art. 48 do Decreto n.
2.044/1908) fundada em nota promissória não paga e prescrita ter que fazer (ou
não) prova da causa jurídica subjacente. Preliminarmente, conquanto exista
controvérsia na doutrina acerca da natureza dessa ação de locupletamento,
trata-se de uma ação de natureza cambiária, na medida em que amparada no título
de crédito que perdeu sua força executiva (e não na relação jurídica que deu
origem à sua emissão), além de estar prevista na legislação de regência de tais
títulos. Nesse contexto, ressalta-se que, além de a prescrição da ação
cambiária ser um dos elementos do suporte fático da regra jurídica insculpida
no referido dispositivo, uma vez prescrita a ação executiva, dá-se o
enriquecimento injustificado em razão do não pagamento e nascem a pretensão e a
ação correspondente, conforme entendimento doutrinário. Além disso, nota-se,
com base na dicção do aludido art. 48, que a ação de locupletamento é
autorizada ao portador do título de crédito (que, alcançado pela prescrição,
perdeu sua força executiva). Ora, se o portador do título é o legitimado para a
propositura da demanda, é certo não ser necessária a demonstração da causa
jurídica subjacente como condição para o ajuizamento dessa ação, uma vez que,
se pensarmos na hipótese de título que tenha circulado, o portador não teria
como fazer prova da relação jurídica subjacente. Dessa maneira, a posse, pelo
portador, da nota promissória não paga e prescrita gera a presunção juris
tantum de veracidade do locupletamento ilícito havido pelo não pagamento (em
contrapartida ao empobrecimento do portador do título), nada obstante seja
assegurada a amplitude de defesa ao réu. REsp 1.323.468-DF, Rel. Min. João
Otávio de Noronha, julgado em 17/3/2016, DJe 28/3/2016.
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE LOCUPLETAMENTO. NOTA PROMISSÓRIA
PRESCRITA. DÚVIDA QUANTO AO FUNDAMENTO DA AÇÃO: ART. 884 DO CÓDIGO CIVIL OU
ART. 48 DO DECRETO N. 2.044/1908. BROCARDO DA MIHI FACTUM DABO TIBI IUS.
APLICAÇÃO DO SEGUNDO DISPOSITIVO LEGAL. AUSÊNCIA DE PRESCRIÇÃO. DESNECESSIDADE
DE COMPROVAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO SUBJACENTE. PRESUNÇÃO JURIS TANTUM DO
LOCUPLETAMENTO PELA SÓ APRESENTAÇÃO DO TÍTULO, ACOMPANHADO DO PROTESTO PELA
FALTA DE PAGAMENTO. VIOLAÇÃO DO ART. 333, I, DO CPC RECONHECIDA.
O juiz não está adstrito aos nomes jurídicos nem a artigos de
lei indicados pelas partes, devendo atribuir aos fatos apresentados o
enquadramento jurídico adequado. Aplicação do brocardo da mihi factum dabo tibi
ius.
A existência de ação de locupletamento amparada em nota
promissória prescrita, prevista no art. 48 do Decreto n. 2.044/1908 (aplicável
às notas promissórias por força do art. 56 do mesmo diploma legal), desautoriza
o cabimento da ação de enriquecimento sem causa amparada no art. 884 do Código
Civil, por força do art. 886 seguinte.
Considerando que o art. 48 do Decreto n. 2.044/1908 não prevê
prazo específico para a ação de locupletamento amparada em letra de câmbio ou
nota promissória, utiliza-se o prazo de 3 (três) anos previsto no art. 206, §
3º, IV, do Código Civil, contado do dia em que se consumar a prescrição da ação
executiva.
Na ação de locupletamento prevista na legislação de regência
dos títulos de crédito, a só apresentação da cártula prescrita já é suficiente
para embasar a ação, visto que a posse do título não pago pelo portador gera a
presunção juris tantumde locupletamento do emitente, nada obstante assegurada a
amplitude de defesa ao réu.5. Recurso especial conhecido e parcialmente
provido. (STJ – 3ª Turma – RECURSO ESPECIAL Nº 1.323.468 – DF (2012/0099706-3)
RELATOR : MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA – , 17 de março de 2016(Data do
Julgamento)
STJ
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