EXTRAIDO DO PORTAL JOTAINFO
Juiz condenou jornalista a
pagar uma indenização de R$ 10 mil a Felipe Martins e a apagar postagem no
Twitter
• KALLEO COURA - SÃO PAULO
JOTA DISCUTE
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A jornalista Barbara Gancia
foi condenada a indenizar em R$ 10 mil o assessor internacional do Presidente
da República, Filipe Garcia Martins, por chamá-lo de “supremacista” no Twitter.
A decisão é do juiz Danilo Fadel de Castro, da 10ª Vara do Foro Central Cível
de São Paulo.
A jornalista parodiou um tuíte
de Martins na rede social e afirmou: “Nenhuma sociedade minimamente civilizada
permitiria a um supremacista metido a engomadinho, discípulo de astrólogo
charlatão fazer parte do círculo íntimo do presidente da República e interferir
em políticas de Estado. Em qualquer lugar minimamente respeitável estariam todos
presos.”
Em 24 de março de 2021,
durante uma sessão do Senado Federal, Martins foi filmado fazendo um gesto com
as mãos, que foi entendido pelo Ministério Público Federal como racista. O
assessor de Bolsonaro foi denunciado pelo crime de racismo pelo gesto. Na
primeira instância, o juiz Marcus Vinicius Reis Bastos, da 12ª Vara Federal
Criminal da Seção Judiciária do Distrito Federal, absolveu Martins
sumariamente. Com o recurso do MPF, o caso segue pendente de julgamento pela 3ª
Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1).
A defesa de Gancia afirmou que
o gesto praticado por Martins ganhou novo significado a partir do uso frequente
por grupos de extrema direita, tendo sido posteriormente adicionado a uma lista
de símbolos de ódio pela Liga da Antidifamação (ADL). De acordo com a ADL, diz
a defesa de Gancia, trata-se de um sinal de “orgulho da supremacia branca”,
tendo seu uso se iniciado por volta de 2017, no fórum de compartilhamento de
imagens 4chan.
Além disso, os advogados da
jornalista sustentaram que o cargo de Martins está sujeito aos mais variados
tipos de crítica. E, levando em conta a aspereza do debate público e o contexto
inflamado do momento, a crítica publicada se deu no regular exercício do
direito de se expressar livremente em face de atos e declarações controversas
de figura pública que não pairam acima da opinião geral.
O juiz Danilo Fadel de Castro
não concordou com a argumentação da jornalista. Para ele, a manifestação de
Gancia extrapolou os limites da livre manifestação do pensamento ao definir
Martins como “supremacista”, o que violou direitos de personalidade violados.
O magistrado afirma que, no
desempenho de atividade jornalística, os responsáveis por reportagens e
postagens estão compromissados “com o dever de procurar se ater, tanto quanto
possível, à fidedignidade das informações recebidas e ao dever de respeitar a
integridade moral de terceiros”.
Os fatos relatados no
processo, entendeu o juiz, macularam a imagem de Martins “para uma gama
indiscriminada de pessoas, prejudicando sua imagem por ter a requerida [Barbara
Gancia] o associado a ideais de caráter racista, atingindo, ademais, sua
honradez e reputação”.
Além da condenação em R$ 10
mil, o juiz também determinou que Gancia deverá
excluir, em 10 dias, os comentários postados em sua rede social Twitter,
sob pena de multa diária no valor de R$250, limitado ao montante de R$10 mil.
O advogado Leonardo Furtado,
do Furtado de Oliveira Advogados Associados, que defende Barbara Gancia,
afirmou que irá recorrer. “Temos plena certeza de que essa decisão vai ser
reformada pelo tribunal. Já houve até um agravo de instrumento que não havia
acolhido a retirada do post do Twitter”, disse.
Já o advogado João Manssur,
que representa Filipe Martins, entende que “a decisão foi acertada, mas irá
recorrer para majorar a condenação dada a título de dano moral”.
O caso tramita com o número
1062800-09.2021.8.26.0100.
Repercussão
A advogada Taís Gasparian,
especialista em liberdade de expressão e sócia do escritório Rodrigues Barbosa,
Mac Dowell de Figueiredo, Gasparian Advogados em São Paulo, afirmou, com a
ressalva de não conhecer os dados do processo, que ” a expressão de uma opinião
sobre um homem que ocupa cargo público, e que estava participando de uma
audiência pública no Senado Federal não poderia, pela sistemática do
ordenamento jurídico brasileiro, ser penalizada. Uma opinião, ainda que ácida,
deveria ser suportada por aqueles que decidiram abraçar a vida pública. É essa,
aliás, a orientação majoritária da jurisprudência”.
O advogado André Marsiglia,
especialista em liberdade de imprensa, considera que o ideal seria que o juiz
aguardasse a conclusão da ação penal contra Martins para decidir o processo
movido contra a jornalista Barbara Gancia. “Se ele vier a ser condenado na
segunda instância, como fica essa condenação dela? Seria contraditório com a
criminal”, diz.
Quanto à determinação para
remoção de conteúdo, Marsiglia considera curioso que a notícia sobre a retirada
acaba se tornando mais relevante do que o silêncio do apagamento do texto
original. “Isso mostra que essas decisões de banir conteúdo são inúteis e por
isso não deveriam ser adotadas. Isso expõe o Judiciário em razão da ineficácia
da decisão”, pondera.
O advogado e professor Marco
Antonio Sabino, do Mannrich e Vasconcelos Advogados, não vê ofensa na palavra
supremacista. “O que significa a palavra supremacista no Brasil? Não significa
nada. Não é a mesma coisa que na Alemanha ou nos Estados Unidos. Tem muito de
contexto nessas questões de liberdade de expressão”, afirma. “A colunista fez
uma crítica com um contexto embutido e, é importante lembrar, críticas
contundentes e ásperas estão protegidas pela liberdade de expressão”.
Quanto à remoção de conteúdo,
Sabino considera que pedidos como esse gozam
de uma presunção de censura. “Remoção de conteúdo é a negação do
conteúdo. A remoção de conteúdo deve ser excepcional e deve vir das cortes. Um
juiz tem que estar 100% convencido para remover o conteúdo porque é censura”,
avalia, antes de ponderar que nem toda censura é ruim, como já disse Robert
Darnton, de Harvard. “Nos casos de discurso de ódio, com chamados à ação
evidentes, o conteúdo deve ser removido”.
KALLEO COURA – Editor
executivo em São Paulo. Responsável pela coordenação da cobertura do JOTA.
Antes, trabalhou por oito anos na revista VEJA, onde foi repórter de Brasil,
correspondente na Amazônia, baseado em Belém, e no Nordeste, com escritório no
Recife. Email: kalleo.coura@jota.info
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