A pena de perdimento deve ser
restrita ao cargo ocupado ou função pública exercida no momento do delito, à
exceção da hipótese em que o magistrado, motivadamente, entender que o novo
cargo ou função guarda correlação com as atribuições anteriores.
Cinge-se a controvérsia a saber
se a perda de perdimento prevista no art. 92, I, do CP se restringe à atividade
pública exercida no momento do delito. O STJ entende que o reconhecimento de
que o réu praticou ato incompatível com o cargo por ele ocupado é fundamento
suficiente para a decretação do efeito extrapenal de perda do cargo público
(AgRg no REsp 1.613.927-RS, DJe 30/9/2016). Em regra, a pena de perdimento deve
ser restrita ao cargo público ocupado ou função pública exercida no momento do
delito. Trilhando esse entendimento, doutrina defende que “A perda deve
restringir-se somente àquele cargo, função ou atividade no exercício do qual
praticou o abuso, porque a interdição pressupõe que a ação criminosa tenha sido
realizada com abuso de poder ou violação de dever que lhe é inerente”. Assim, a
perda do cargo público, por violação de dever inerente a ele, necessita ser por
crime cometido no exercício desse cargo, valendo-se o envolvido da função para
a prática do delito. Porém, salienta-se que se o magistrado de origem
considerar, motivadamente, que o novo cargo guarda correlação com as
atribuições do anterior, ou seja, naquele em que foram praticados os crimes,
mostra-se devida a perda da nova função, uma vez que tal ato visa anular a
possibilidade de reiteração de ilícitos da mesma natureza, o que não ocorreu no
caso.
Veja o acórdão:
PENAL PROCESSO PENAL. RECURSO
ESPECIAL. EMBARGOS INFRINGENTES. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. GERENTE DOS
CORREIOS. RECEBIMENTO DE VANTAGEM INDEVIDA. CRIME DE CORRUPÇÃO PASSIVA.
AFASTAMENTO DA TIPICIDADE. SÚMULA 7/STJ. PENA-BASE. DOSIMETRIA. LEGALIDADE.
DIAS-MULTA. REVISÃO. SÚMULA 7/STJ. ART. 92 DO CP. PERDA DO CARGO.
- Narra a denúncia que o acusado, na condição de
gerente da agência dos Correios do município de Brejinho/PE, encaminhava
os aposentados e pensionistas do INSS para o escritório onde trabalhava a
outra denunciada para que, no referido local, efetivassem o recebimento e
preenchimento do formulário de recadastramento perante o INSS, momento em
que era cobrado o valor de R$5,00 (cinco reais), na qual havia uma
partilha entre os denunciados, destinando-se R$3,00 (três reais) ao
primeiro denunciado e R$2,00 (dois reais) à segunda.
- Não há que se falar em ausência de discussão acerca
do tema. A parte recorrente, ao interpor os embargos infringentes, buscou
afastar a tipicidade da conduta, devolvendo tal matéria ao órgão julgador.
Assim, o Tribunal a quo, ao negar provimento aos embargos infringentes,
não extrapolou o tema, pois afastou a tese da atipicidade da conduta,
desclassificando-a de concussão para corrupção passiva, o que caracteriza
emendatio libelli (art. 383 do CPP), possível de ser feita pelo órgão
julgador.
- Em tema de nulidade de ato processual, vigora o
princípio pas de nulité sans grief, segundo o qual, o reconhecimento de nulidade
exige a comprovação de efetivo prejuízo (art. 563 do Código de Processo
Penal). Foi, desse modo, editado pelo Supremo Tribunal Federal o enunciado
sumular n. 523, que assim dispõe: No processo penal, a falta de defesa
constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver
prova de prejuízo para o réu. No presente caso, ao se desclassificar a
conduta, não houve qualquer prejuízo ao acusado, uma vez que inexistiu
qualquer modificação da pena e seus reflexos.
- A Corte de origem afastou a tipicidade da conduta e
concluiu pela prática do crime de corrupção passiva. Rever os critérios
utilizados pelas instâncias ordinárias, para afastar a tipicidade da
conduta, reconhecendo a existência de opção dada aos beneficiários do INSS
de pagar ou não pelo preenchimento das guias de recadastramento,
dependeria de inexorável revolvimento de provas, o que, em sede de recurso
especial, constitui medida vedada pelo óbice da Súmula 7/STJ.
- As instâncias ordinárias não utilizaram de dados
genéricos e vagos para justificar a exasperação da pena-base,
especialmente para valorar negativamente a culpabilidade do agente, uma
vez que o fato do crime ter sido praticado contra pessoas modestas e
humildes, beneficiárias do INSS, autoriza, por si só, a valoração negativa
dessa circunstância, motivo pelo qual pode ser sopesada, pois aponta para
maior reprovabilidade da conduta. Mostra-se igualmente correta a valoração
das circunstâncias do crime. O fato do réu encaminhar as vítimas para
outro estabelecimento onde era realizada a cobrança indevida, para que não
fosse percebida pelos colegas de trabalho, aponta para maior
reprovabilidade da conduta, visto que não é inerente ao cometimento do
tipo penal, devendo ser mantida.
- O exame da alegação referente ao suposto exagero na
fixação da pena de multa é inviável na via do recurso especial, segundo
dispõe o enunciado n. 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça (“A
pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”).
- A Corte de origem consignou que a perda do cargo
deve ser declarada, uma vez que, com base no art. 92, inciso I, alínea
“a”, do CP, o acusado foi condenado a pena privativa de liberdade por
tempo superior a 1 ano, com violação de dever para com a Administração
Pública. Tal entendimento encontra-se no mesmo sentido da jurisprudência
desta Corte Superior de que o reconhecimento de que o réu praticou ato
incompatível com o cargo por ele ocupado é fundamento suficiente para a
decretação do efeito extrapenal de perda do cargo público (AgRg no REsp 1613927/RS,
Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, julgado em
20/09/2016, DJe 30/09/2016).
- No presente caso, o agente praticou o delito quando
ocupava emprego público na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos,
tendo sido aprovado em concurso público para outro cargo na Universidade
Federal de Pernambuco, durante o trâmite processual.
- Em regra, a pena de perdimento deve ser restrita ao
cargo público ocupado ou função pública exercida no momento do delito.
Assim, a perda do cargo público, por violação de dever inerente a ela,
necessita ser por crime cometido no exercício desse cargo, valendo-se o
envolvido da função para a prática do delito.
- Salienta-se que se o Magistrado a quo considerar,
motivadamente, que o novo cargo guarda correlação com as atribuições do
anterior, ou seja, naquele em que foram praticados os crimes, mostra-se
devida a perda da nova função, uma vez que tal ato visa a anular a
possibilidade de reiteração de ilícitos da mesma natureza, o que não
ocorreu no caso. Dessa forma, como o crime em questão fora praticado
quando o acusado era empregado público da Empresa Brasileira de Correios e
Telégrafos, não poderia, sem qualquer fundamentação e por extensão, ser
determinada a perda do cargo na UFPE.
- Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa
parte, provido parcialmente.
(STJ – 5ª Turma – RECURSO
ESPECIAL Nº 1.452.935 – PE (2014/0108758-0) RELATOR : MINISTRO REYNALDO SOARES
DA FONSECA – 14 de março de 2017(Data do Julgamento)
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