No contrato de prestação de
serviços advocatícios não é cabível a estipulação de multa pela renúncia ou
revogação unilateral do mandato.
O Código de Ética e Disciplina da
OAB (CED-OAB), ao dispor sobre as relações entre cliente e advogado, assevera
expressamente que o fundamento que as norteia é a confiança recíproca (art.
10).
Em razão da relação de fidúcia
entre advogado e cliente (considerando se tratar de contrato personalíssimo), o
Código de Ética prevê no seu art. 16 – em relação ao advogado – a possibilidade
de renúncia ao patrocínio sem a necessidade de se fazer alusão ao motivo
determinante, sendo o mesmo raciocínio a ser utilizado na hipótese de revogação
unilateral do mandato por parte do cliente (art. 17).
Assim, sobretudo pela
possibilidade de quebra da fidúcia constante no pacto ente cliente/advogado, há
o direito potestativo do patrono em renunciar ao patrocínio (sem prejuízo do
cliente ser reparado por eventuais danos sofridos), bem como do cliente em
revogar o mandato outorgado (sem prejuízo do causídico em receber verba
remuneratória pelos serviços então prestados).
Não obstante a relevância da advocacia
(tendo em vista que é por meio do trabalho do advogado que se busca trazer a
claridade para dentro dos autos, de forma a colaborar permanentemente à
concretização da justiça) e a importância dos honorários (mormente pela
inquestionável natureza alimentar da verba), é necessário discutir se há espaço
para a aplicação de cláusula de cunho penal que preveja sanção em sendo a
situação de renúncia do mandato pelo patrono ou de revogação unilateral por
parte do cliente do mandato outorgado.
A cláusula penal representa uma
obrigação acessória ao contrato na qual se estipula – previamente – determinada
pena ou multa dirigida a impedir o inadimplemento da obrigação principal ou
eventual retardamento em seu cumprimento. Possui dupla função, sendo meio de
coerção, de modo a obrigar o contratante ao cumprimento da obrigação, bem como
sendo instrumento de prefixação de perdas e danos decorrentes do eventual
inadimplemento.
Apesar da legalidade da pactuação
entre as partes da cláusula penal e da existência de instrumentos legais aptos
a corrigir os excessos advindos da mencionada cláusula, as especificidades da
relação jurídica contratual de prestação de serviços advocatícios (constantes
no Estatuto da OAB e no CED da OAB) acabam por relativizar sua incidência.
Ao se levar em conta que a
advocacia não é atividade mercantil e não vislumbra exclusivamente o lucro, bem
como que a relação entre advogado e cliente é pautada na confiança de cunho
recíproco, não é razoável – caso ocorra a ruptura do negócio jurídico por meio
renúncia ou revogação unilateral do mandato – que as partes fiquem vinculadas
ao que fora pactuado sob a ameaça de cominação de penalidade.
Dessa forma, a revogação
unilateral, pelo cliente, do mandato outorgado ao advogado é causa lícita de
rescisão do contrato de prestação de serviços advocatícios, não ensejando o
pagamento de multa prevista em cláusula penal. A mesma lógica pode e deve ser
aplicada também quando ocorrer o inverso, na hipótese de renúncia do mandato
pelo causídico.
Imperioso salientar que cláusula
penal existirá nos contratos de prestação de serviços advocatícios, contudo
adstrita às situações de mora e/ou inadimplemento, desde que respeitada a
razoabilidade, sob pena de interferência judicial. Ademais, ocorrendo a
revogação do mandato por parte do cliente, esse estará obrigado a pagar ao
advogado a verba honorária de modo proporcional aos serviços então prestados.
Veja o acórdão:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO
ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO. AUSENTE. DEFICIENTE. SÚMULA
284/STF. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211/STJ. HARMONIA ENTRE O ACÓRDÃO
RECORRIDO E A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
ADVOCATÍCIOS. PREVISÃO DE PENALIDADE CONSUBSTANCIADA NO PAGAMENTO INTEGRAL DOS
VALORES PACTUADOS ANTE A REVOGAÇÃO UNILARETAL DO MANDATO. IMPOSSIBILIDADE.
DIREITO POTESTATIVO DO CLIENTE DE REVOGAR O MANDANTO, ASSIM COMO É DO ADVOGADO
DE RENUNCIAR.
1. Embargos à execução opostos em 15/05/2018. Autos conclusos para esta
Relatora em 30/07/2020. Julgamento sob a égide do CPC/15.
2. A ausência de fundamentação ou a sua deficiência importa no não conhecimento
do recurso quanto ao tema.
3. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como
violados, não obstante a interposição de embargos de declaração, impede o
conhecimento do recurso especial.
4. A falta de notificação do devedor sobre a cessão do crédito não torna a
dívida inexigível (art. 290 do CC/02), circunstância que não proíbe o novo
credor de praticar os atos imprescindíveis à preservação dos direitos cedidos.
Súmula 568/STJ.
5. Em razão da relação de fidúcia entre advogado e cliente (considerando se
tratar de contrato personalíssimo), o Código de Ética e Disciplina da OAB
(CED-OAB) prevê no art. 16 – em relação ao advogado – a possibilidade de
renúncia a patrocínio sem a necessidade de se fazer alusão ao motivo
determinante, sendo o mesmo raciocínio a ser utilizado na hipótese de revogação
unilateral do mandato por parte do cliente (art. 17 do CED-OAB).
6. Considerando que a advocacia não é atividade mercantil e não vislumbra
exclusivamente o lucro, bem como que a relação entre advogado e cliente é
pautada na confiança de cunho recíproco, não é razoável – caso ocorra a ruptura
do negócio jurídico por meio renúncia ou revogação unilateral mandato – que as partes
fiquem vinculadas ao que fora pactuado sob a ameaça de cominação de penalidade.
7. Não é possível a estipulação de multa no contrato de honorários para as
hipóteses de renúncia ou revogação unilateral do mandato do advogado,
independentemente de motivação, respeitado o direito de recebimento dos
honorários proporcionais ao serviço prestado.
8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, parcialmente
provido.
(REsp n. 1.882.117/MS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma,
julgado em 27/10/2020, DJe de 12/11/2020.)
STJ
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