STJ reconhece tráfico privilegiado e reduz pena de condenado








STJ reconhece tráfico privilegiado e reduz pena de condenado

A quantidade de drogas apreendidas não pode ser usada isoladamente para levar à conclusão de que o réu se dedica a atividades criminosas.

Esse entendimento foi adotado pelo ministro Rogerio Schietti Cruz(foto), do Superior Tribunal de Justiça, ao conceder regime inicial semiaberto e reduzir a pena de um homem que havia sido considerado integrante de organização criminosa devido à grande quantidade de drogas apreendidas com ele.

Veja a decisão:

HABEAS CORPUS Nº 741191 – SP (2022/0138929-0)
DECISÃO
ERICK DE FARIA GERALDO alega ser vítima de coação ilegal em decorrência de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Apelação Criminal n. 1500512-42.2020).
Consta dos autos que o paciente foi condenado à pena de 5 anos, 6 meses e 20 dias de reclusão, em regime inicial fechado, mais multa, pela prática do crime de tráfico de drogas.
A defesa pretende, por meio deste writ, a aplicação da minorante prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, a fixação de regime mais brando e a substituição da reprimenda privativa de liberdade por restritivas de direitos.
Decido.
Para a aplicação da minorante prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas, é exigido, além da primariedade e dos bons antecedentes do acusado, que este não integre organização criminosa nem se dedique a atividades delituosas. Isso porque a razão de ser da causa especial de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 é justamente punir com menor rigor o pequeno traficante.
A propósito, confira-se o seguinte trecho de voto deste Superior Tribunal: “Como é cediço, o legislador, ao instituir o referido benefício legal, teve como objetivo conferir tratamento diferenciado aos pequenos e eventuais traficantes, não alcançando, assim, aqueles que fazem do tráfico de entorpecentes um meio de vida.” (HC n. 437.178/SC, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, 5ª T., DJe 11/6/2019).
No caso, o Tribunal de origem considerou indevida a incidência da referida minorante, com base nos seguintes fundamentos (fl. 18):
Por fim, na derradeira, realmente o acusado não faz jus à aplicação do benefício previsto no § 4º, do artigo 33 da Lei de Drogas, vez que, conforme dito alhures, a grande quantidade e variedade de entorpecentes apreendidos, são mesmo seguros indicativos de que Érick se dedicava às das atividades criminosas, ou seja, era mesmo traficante. Aliás, tal situação de traficância ficou devidamente comprovada, também, pelo laudo pericial de seu telefone celular de fls. 97/108.
No entanto, faço o registro de que, em sessão realizada no dia 9/6/2021, por ocasião do julgamento do REsp n. 1.887.511/SP (Rel.
Ministro João Otávio de Noronha, DJe 1º/7/2021), a Terceira Seção desta Corte Superior de Justiça decidiu que:
[…] 7. A utilização concomitante da natureza e da quantidade da droga apreendida na primeira e na terceira fases da dosimetria, nesta última para descaracterizar o tráfico privilegiado ou modular a fração de diminuição de pena, configura bis in idem, expressamente rechaçado no julgamento do Recurso Extraordinário n. 666.334/AM, submetido ao regime de repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal (Tese de Repercussão Geral n. 712).
8. A utilização supletiva desses elementos para afastamento do tráfico privilegiado somente pode ocorrer quando esse vetor seja conjugado com outras circunstâncias do caso concreto que, unidas, caracterizem a dedicação do agente à atividade criminosa ou à integração a organização criminosa.
[…] Assim, uma vez que, no caso, a quantidade de drogas apreendidas foi sopesada para, isoladamente, levar à conclusão de que o réu se dedicaria a atividades criminosas, reputo evidenciado o apontado constrangimento ilegal de que estaria sendo vítima.
Consequentemente, à ausência de fundamento suficiente o bastante para justificar o afastamento da causa especial de diminuição prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, deve a ordem ser concedida, inclusive liminarmente, a fim de aplicar, em favor do acusado, o referido benefício.
No que tange ao quantum de redução de pena, faço lembrar que tanto a Quinta quanto a Sexta Turmas deste Superior Tribunal firmaram o entendimento de que, considerando que o legislador não estabeleceu especificamente os parâmetros para a escolha da fração de redução de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, devem ser consideradas, para orientar o cálculo da minorante, as circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal, especialmente o disposto no art. 42 da Lei de Drogas.
Assim, tendo em vista a quantidade de drogas apreendidas já foi devidamente sopesada para fins de exasperação da pena-base (fl. 17), considero, dentro do livre convencimento motivado, ser adequada e suficiente a redução de pena no patamar máximo de 2/3, até para não incorrer no inadmissível bis in idem.
Apenas ad cautelam, friso que, especificamente no caso dos autos, a conclusão pela possibilidade de aplicação da referida minorante não demanda o revolvimento de matéria fático-probatória, procedimento, de fato, vedado na via estreita do habeas corpus. O caso em análise, diversamente, requer apenas a revaloração de fatos incontroversos que já estão delineados nos autos e das provas que já foram devidamente colhidas ao longo de toda a instrução probatória, bem como a discussão, meramente jurídica, acerca da interpretação a ser dada sobre os fundamentos apontados pela instância de origem para negar ao réu a incidência da causa especial de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006.
Em razão da modificação efetivada anteriormente, deve ser realizada a nova dosimetria da pena. Na primeira fase, a reprimenda-base ficou estabelecida em 6 anos e 8 meses de reclusão e pagamento de 666 dias-multa.
Na segunda etapa, reduzo a pena em 1/6, tal como efetivado pelas instâncias de origem, em razão da atenuante da confissão espontânea.
Na terceira fase, reduzo a pena em 2/3, em decorrência da minorante descrita no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 e, por conseguinte, torno a sanção do paciente definitiva em 1 ano, 10 meses e 6 dias de reclusão e pagamento de 185 dias-multa.
Como consectário da redução efetivada na pena do acusado, deve ser feito o ajuste no regime inicial do seu cumprimento. Uma vez que ele foi condenado a reprimenda inferior a 4 anos de reclusão, era tecnicamente primário ao tempo do delito, possuidor de bons antecedentes, foi beneficiado com a minorante prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, mas sem perder de vista que teve a pena-base fixada acima do mínimo legal, deve ser estabelecido o regime inicial semiaberto, nos termos do art. 33, § 2º, “b”, e § 3º, do Código Penal, com observância, ainda, ao preceituado no art. 42 da Lei n. 11.343/2006.
Pela mesma razão anteriormente exposta – existência de circunstância judicial desfavorável -, entendo que a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos não se mostra, no caso, medida socialmente recomendável, nos termos do art. 44, III, do CP. Relembro, por oportuno, que o paciente teve a pena-base estabelecida acima do mínimo legal, em razão da quantidade de drogas apreendidas (887 porções de cocaína e 41 porções de crack).
À vista do exposto, com fundamento no art. 34, XX, do RISTJ, concedo a ordem, in limine, a fim de reconhecer a incidência da minorante prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 em favor do acusado, aplicá-la no patamar de 2/3 e, por conseguinte: a) reduzir a sua reprimenda para 1 ano, 10 meses e 6 dias de reclusão e pagamento de 185 dias-multa; b) fixar o regime inicial semiaberto (Processo n. 1500512-42.2020.8.26.0604).
Comunique-se, com urgência, o inteiro teor desta decisão às instâncias ordinárias, para as providências cabíveis.
Publique-se e intimem-se.
Brasília (DF), 13 de maio de 2022.
Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ
Relator
(HC n. 741.191, Ministro Rogerio Schietti Cruz, DJe de 17/05/2022.)

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