A imputação da conduta de
enriquecimento ilícito prevista na Lei de Improbidade Administrativa independe
da alegação e muito menos de prova, de que a origem dos bens é ilícita.
Essa objetividade jurídica visa inibir a violação à moralidade, bastando a
demonstração de patrimônio a descoberto, que se mostra desproporcional a renda
do representado.
O entendimento foi adotado
pela 8ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo ao
manter as condenações, por atos de improbidade administrativa, do
ex-prefeito de Limeira, sua esposa e dois filhos, além de outras sete pessoas e
três empresas.
O acórdão ficou assim ementado:
MÉRITO. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO.
ACUMULAÇÃO DE PATRIMÔNIO INCOMPATÍVEL COM OS RENDIMENTOS. Autonomia do tipo
infracional. A incursão do servidor público, e de todos
que com ele se beneficiem ou participem do ilícito, na conduta descrita no
inciso VII do art. 9º da LIA independe da alegação e muito menos de prova – de
que a origem dos bens é ilícita. Objetividade jurídica que visa inibir a
violação à moralidade inerente ao só fato de que o servidor público enriqueceu
sem causa aparente no exercício da função. Contundência dos meios de
prova quanto ao quadro de vultoso enriquecimento do grupo de pessoas acusado.
Movimentação bancária que gira na ordem de milhões de reais no período.
Evolução patrimonial a descoberto demonstrada por relatório da RFB. Licitude do
meio de prova. Informações que corroboram dados apurados pelo CAEx por
intermédio do SIMBA. Coleta objetiva de dados demonstrando movimentação
patrimonial incompatível com os rendimentos informados. Eventuais modificações
de dados fiscais no curso do processo não esvaziam a percepção de que houve,
efetivamente, a prática do ato ímprobo porque não existe justificativa para a
movimentação financeira constatada, e porque o juízo que se forma a partir da
observação do patrimônio a descoberto parte de premissa, meramente hipotética,
de que a parte poupou a totalidade dos valores recebidos no período, em
entendimento manifestamente favorável aos acusados, e ainda assim se conclui
que houve enriquecimento sem causa aparente. Identificada a coparticipação de
quem atuou auxiliando os servidores e seus familiares na estruturação das
operações, inclusive ostentando movimentação financeira incompatível com os
rendimentos declarados para o período. Sentença mantida. (TJSP – 8ª Câmara de Direito
Público – Apelação n. 0006379-50.2012.8.26.0320 – Rel. Des. Percival Nogueira –
j. 21.07.2021)
Extrai-se
do voto do relator a seguinte manifestação:
“Ao
contrário do que afirmam os apelantes, a inicial formula as proposições de fato
imputando aos réus a confabulação para amealhar patrimônio sem origem conhecida
e justificada. Alega que as partes reuniram-se, em comunhão de desígnios, para
formar patrimônio de origem ilícita ou não declarada, tornando-se necessário
pulverizar a titularidade do domínio desses novos bens em pessoas estranhas à
Administração, como os filhos do prefeito e da primeira dama, e alguns parentes
dela.
A causa de pedir informa todo o
cenário formado para caracterizar a improbidade administrativa. Não se exige a
indicação específica do papel de cada uma das pessoas envolvidas nessa
engenharia estruturada para pulverização do patrimônio, porque o dado relevante
é apenas o fato de que elas são titulares de bens adquiridos, segundo alegado,
em manifesto descompasso com os rendimentos recebidos no período. É esse o
ponto crucial que interessa para delimitar a extensão da atividade cognitiva e,
por conseguinte, abrir o exercício do direito de defesa.
E mais. Não incumbe ao autor a
identificação de cada conduta suspeita ou de cada um dos ilícitos, porque o
substrato da imputação está na existência de acentuada desproporção na evolução
patrimonial, sendo irrelevante saber o ilícito que serve de origem para o
enriquecimento.
Assim ocorre porque, como veremos
mais adiante, o ato de improbidade que o autor imputa aos réus consiste no só
fato de que o agente público amealhou relevante quantidade de bens, em seu nome
e no de terceiros, no período em que era prefeito, e não tem como explicar sua
a origem.
Basta, portanto, a alegação de
incremento patrimonial sem origem conhecida, sendo desnecessário indicar qual o
ilícito praticado como origem do bem.
É dizer, não se mostra necessário
alegar e muito menos provar o “quid pro quo”, bastando alegar o enriquecimento
sem causa conhecida.
Nesse sentido é a jurisprudência
tranquila do Superior Tribunal de Justiça, como se vê do seguinte, e
exemplificativo, precedente:
MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO
ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. AUDITORA DA RECEITA FEDERAL. PRESCRIÇÃO. TERMO
INICIAL. CONHECIMENTO DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA. INSTAURAÇÃO DO PAD. CAUSA
INTERRUPTIVA. PRESCRIÇÃO AFASTADA. VIOLAÇÃO DE SIGILO. NÃO OCORRÊNCIA. ART.
198, § 1º, II, DO CTN. SINDICÂNCIA PATRIMONIAL. INAPLICABILIDADE. DECRETO QUE
REGULAMENTA A LEI 8.429/92, NÃO A LEI N. 8.112/90. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. FALTA
DE NOMEAÇÃO DE CURADOR ESPECIAL AO TEMPO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL
QUANDO A IMPETRANTE SE ENCONTRAVA PRESA. NÃO OCORRÊNCIA DE NULIDADE DO PAD.
EXERCÍCIO DE AMPLA DEFESA. FALTA DE INTIMAÇÃO A CADA DOCUMENTO NOVO JUNTADO AO
PAD. INEXISTÊNCIA DE IRREGULARIDADE. INDEFERIMENTO DE PROVAS E DILIGÊNCIAS POR
SEREM PROTELATÓRIAS. REGULARIDADE. ALEGAÇÕES DE DOAÇÕES RECEBIDAS DE GENITOR,
DEVIDAMENTE CONSIDERADAS PELA COMISSÃO PROCESSANTE. PATRIMÔNIO A DESCOBERTO EM
ÉPOCA EM QUE A IMPETRANTE EXERCIA CARGO JUNTO À RECEITA FEDERAL. AUSÊNCIA DE
DIREITO LÍQUIDO E CERTO.
- Mandado de segurança contra ato do Ministro de
Estado da Fazenda, que aplicou a pena de demissão a Auditora da Receita
Federal, nos termos do 132, IV da Lei n. 8.112/90 combinado com o art. 9º,
inciso VII, da Lei 8.429/92, por ostentar patrimônio a descoberto, ou
seja, na comparação entre a renda líquida e a variação patrimonial do
contribuinte, no ano calendário de 2002.
- A impetrante sustenta violação a seu direito
líquido e certo por: I. T0er-se operado prescrição; II. Terem sido
violadas normas jurídicas a respeito de direito a sigilos sobre
informações suas e de seu companheiro; III. Não ter sido feita prévia
sindicância patrimonial; IV. Não ter sido nomeado em seu favor curador
especial quando se encontrava presa e foi aberto o Processo Administrativo
Fiscal (PAF) que instruiu o PAD (Processo Administrativo Disciplinar); V.
Não ter sido intimada após a juntada de cada documento que era acostado ao
PAD; VI. Terem sido indeferidas provas e diligências por ela requeridas no
PAD; VII. Não terem sido consideradas pela Comissão Processante doações
que recebeu de seu genitor; VIII. Não ter sido comprovada correlação entre
o enriquecimento ilícito e o cargo por ela ocupado.
(…) 10. A jurisprudência deste
Superior Tribunal é no sentido de que em matéria de enriquecimento ilícito,
cabe à Administração comprovar o incremento patrimonial significativo e
incompatível com as fontes de renda do servidor. Por outro lado, é do servidor
acusado o ônus de demonstrar a licitude da evolução patrimonial constatada pela
administração, sob pena de configuração de improbidade administrativa por
enriquecimento ilícito. Precedentes.
- Caso em que a Administração comprovou o que lhe
incumbia, enquanto a servidora deixou de reunir elementos – que estavam a
seu alcance, tais como extratos de suas contas bancárias – que fossem ao
menos capazes de apoiar minimamente sua tese de que aquele seu patrimônio
a descoberto tivesse origem lícita.
- A improbidade administrativa consistente em o
servidor público amealhar patrimônio a descoberto independe da prova de
relação direta entre aquilo que é ilicitamente feito pelo servidor no
desempenho do cargo e seu patrimônio a descoberto. Espécie de improbidade
em que basta que o patrimônio a descoberto tenha sido amealhado em época
em que o servidor exercia cargo público. Precedente: MS n. 19782-
DF, Relator Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 06/04/2016.
13. Segurança denegada (MS 20.765/DF, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES,
PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08/02/2017, DJe 14/02/2017).
A objetividade jurídica não é,
precisamente, o ilícito de que emanam as vantagens indevidas, mas o que se
pretende é combater o aviltamento à moralidade decorrente de que o servidor
enriqueceu, sem lícita explicação aparente, no período em que exerceu a função
pública.
Acrescenta-se, por fim, que é
sintoma dessa objetividade jurídica a norma contida no art. 13 da Lei de
Improbidade Administrativa, que exige do servidor a apresentação anual do patrimônio
ao órgão público ao qual vinculado, prescrevendo a pena de demissão a bem do
serviço público ao servidor que se recusar a prestar a declaração de bens, ou
oferecê-la falsa.
Finalmente, não há falar em
cerceamento de defesa ou nulidade da prova produzida a partir de relatório
lavrado pela Receita Federal do Brasil”.
TJSP
Comentários
Postar um comentário