Artigo
elaborado pela Assessoria de Comunicação do IBDFAM
Publicado por Flávio Tartuce
anteontem
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) divulgou
nesta quarta-feira (22) uma decisão que significa grande retrocesso para o
Direito das Famílias no Brasil.
Em julgamento de
recurso especial interposto por um casal que, em ação de separação, buscava a
homologação pelo juízo das condições pactuadas, como recebimento de pensão,
regulação de visitas ao filho, partilha de bens e alteração de sobrenome, a
Quarta Turma entendeu que a entrada em vigor da Emenda Constitucional 66, que modificou o artigo 226 da Constituição Federal para deixar de condicionar o divórcio à
prévia separação judicial ou de fato, não aboliu a figura da separação judicial
do ordenamento jurídico brasileiro, mas apenas facilitou aos cônjuges o
exercício pleno de sua autonomia privada.
Ou seja: quem quiser pode se divorciar
diretamente; quem preferir pode apenas se separar.
A Emenda
Constitucional 66 é uma proposição do Instituto Brasileiro
de Direito de Família - IBDFAM e foi promulgada em 13 de julho de 2010.
Apresentada pelo advogado e então deputado federal Sérgio Barradas Carneiro
(BA), deu nova redação ao artigo 226, parágrafo 6º, da Constituição
Federal (CF), o
qual passou a vigorar com o seguinte texto: "O casamento civil pode ser
dissolvido pelo divórcio".
Assim, a EC66 instituiu o Divórcio Direito,
eliminou a separação judicial, suprimindo prazos desnecessários e acabou com a
discussão de culpa pelo fim do casamento.
“Lamentável a
decisão do STJ, no que pese ser absolutamente inócua. O instituto da separação
judicial não mais existe no ordenamento jurídico brasileiro. É fácil de entender.
Imaginemos que, antes da Emenda 66/10, um
parlamentar apresentasse um Projeto de Lei para suprimir o instituto da
separação judicial do Código
Civil. Um relator
designado na CCJ - Comissão de Constituição, Justiça e
Cidadania, mesmo sendo a favor da matéria, seria obrigado a dar um parecer pela
inconstitucionalidade do Projeto, vez que o instituto da separação judicial
constava da nossa Constituição”, aponta Sérgio Barradas Carneiro.
Ainda conforme o
advogado e membro do IBDFAM, uma vez suprimido o instituto da separação
judicial da nossa Carta
Magna, o texto do
atual do Código Civil não mais é recepcionado pela CF/88.
Estabeleceu-se uma omissão vedativa. O intuito do legislador foi de que não
mais exista o instituto da separação judicial. Não cabe, pois, que, depois de
quase sete anos de vigência da Emenda 66/10, se queira
impor ao povo brasileiro tamanho retrocesso. Quando vigente, só se utilizavam
do mesmo os casais que se separavam brigando. Aqueles que se separavam
amigavelmente apresentavam duas testemunhas cada, afirmando para o juiz já ter
os exigidos dois anos de separação de fato.
O advogado e
presidente do IBDFAM, Rodrigo da Cunha Pereira, concorda que a decisão de hoje
representa uma regressão ao direito das famílias. “O texto constitucional com a promulgação da EC nº 66/2010, acabou com todo e qualquer prazo para o divórcio, e tornou a
separação judicial e as regras que a regiam incompatíveis com o sistema
jurídico. Se o texto do § 6º do artigo 226 da CR/1988 retirou de seu corpo a expressão
'separação judicial', como mantê-la na legislação infraconstitucional ou na
interpretação dada pelos tribunais? É necessário que se compreenda, de uma vez
por todas, que a hermenêutica Constitucional deve ser colocada em prática, e
isso compreende suas contextualizações política e histórica”, afirma.
Rodrigo da Cunha
diz ainda que, conforme orientação emanada do próprio Supremo Tribunal Federal,
a inconstitucionalidade, seja ela material, seja formal, deve ser averiguada
frente à Constituição que estava em vigor no momento da
elaboração e edição dessa norma jurídica. O argumento finalístico é que a Constituição da República extirpou totalmente de seu corpo normativo a única
referência que se fazia à separação judicial. Portanto, ela não apenas retirou
os prazos, mas também o requisito obrigatório ou voluntário da prévia separação
judicial ao divórcio por conversão.
O divórcio surgiu
no ordenamento jurídico brasileiro em 1977, com a promulgação da Lei nº 6.515/77 (Lei do Divórcio). Antes disso, a única solução era o desquite, que
mantinha os cônjuges presos ao vínculo contratual, mas colocava fim ao regime
matrimonial de bens e aos deveres de coabitação e fidelidade recíprocas. Porém,
não disponibilizava aos desquitados a contratação de novo casamento, levando as
uniões à margem da Lei.
Desta maneira, o
Divórcio só era possível se atendesse a três requisitos básicos: separação de
fato há mais de cinco anos, ter este prazo sido implementado antes da alteração
constitucional, ser comprovada a causa da separação. Posteriormente, a Constituição Federal de 1988 reduziu os prazos: um ano de
separação judicial para o Divórcio por Conversão, e dois anos da separação de
fato para o Divórcio.
No caso em tela,
o juízo de primeiro grau, por entender que a Emenda Constitucional 66 aboliu a figura da separação, concedeu prazo de dez dias para
adequação do pedido, e o Tribunal de Justiça manteve a decisão. No STJ, a relatora
do recurso, Ministra Isabel Gallotti, entendeu pela reforma do acórdão. Segundo
ela, a única alteração ocorrida com a emenda citada foi a supressão do
requisito temporal e do sistema bifásico para que o casamento possa ser
dissolvido pelo divórcio. “A Emenda 66/10 acabou com
esta farsa, tornando-se um ótimo exemplo de que a boa lei é aquela que consagra
uma prática social. Trata-se de um instituto ultrapassado, retrógrado e sem
serventia prática, vez que o divorciado pode casar-se com qualquer pessoa,
inclusive com aquela da qual se separou e se arrependeu, ao passo que o
separado era impedido de se casar, indo engrossar as estatísticas da união
estável”, esclarece Sérgio Barradas.
De acordo com o STJ, a Ministra Isabel
Gallotti disse que a separação é uma modalidade de extinção da sociedade
conjugal que põe fim aos deveres de coabitação, fidelidade e ao regime de bens.
Já o divórcio extingue o casamento e reflete diretamente sobre o estado civil
da pessoa. “A separação é uma medida temporária e de escolha pessoal dos
envolvidos, que podem optar, a qualquer tempo, por restabelecer a sociedade
conjugal ou pela sua conversão definitiva em divórcio para dissolução do
casamento”, disse a relatora.
Em contrapartida,
o presidente nacional do BDFAM levanta um questionamento sobre a decisão: “Qual
seria o objetivo de se manter vigente a separação judicial se ela não pode mais
ser convertida em divórcio? Não há nenhuma razão prática e lógica para sua
manutenção. Se alguém insistir em se separar judicialmente, após a Emenda
Constitucional n. 66/2010, não poderá transformar tal separação em
divórcio, se o quiser, terá de propor o divórcio direto. Não podemos perder o
contexto, a história e o fim social da anterior redação do § 6º do artigo 226:
converter em divórcio a separação judicial. E, se não se pode mais convertê-la
em divórcio, ela perde sua razão lógica de existência.”
Para Rodrigo da Cunha Pereira, “é preciso
separar o 'joio do trigo', ou seja, é preciso separarmos as razões jurídicas
das razões e motivações religiosas, para que possamos enxergar que não faz
sentido a manutenção do instituto de separação judicial em nosso ordenamento
jurídico. Ela significa mais gastos financeiros, mais desgastes emocionais e
contribui para o emperramento do Judiciário, na medida em que significa mais
processos desnecessários. Portanto, esta decisão é um verdadeiro retrocesso”.
Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM (com
informações do STJ)
Flávio TartucePRO
Advogado, parecerista e consultor em
São Paulo. Doutor em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Civil Comparado
pela PUCSP. Professor do programa de mestrado e doutorado da FADISP. Professor
e Coordenador dos cursos de pós-graduação lato sensu em Direito Civil, Direito
Contratual e Direito de Família e das Sucessões da EPD. Professor da Rede LFG,
em cursos preparatórios para as carreiras jurídicas e pós-graduações. Professor
do Curso CPJUR. Autor da Editora GEN (Forense e Método). Diretor Nacional e Vice-presidente
do IBDFAMSP.
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